Fome nos estados: ActionAid destaca endividamento das famílias e impacto no futuro de crianças
RIO DE JANEIRO – O Suplemento I do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN) escancara o impacto brutal do desalinhamento das ações de governos federal, estaduais e municipais no período em que tal esforço se fazia ainda mais indispensável. O novo recorte do estudo lançado nesta quarta-feira (14/09) pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), com apoio da ActionAid, evidencia ainda impactos de fatores cuja discussão é atual e urgente: o endividamento das famílias brasileiras e o alastramento da fome de forma mais grave nos lares com crianças de até 10 anos. Além de lamentar tal realidade, a ActionAid reforça a importância do olhar atento e atuação engajada de toda a sociedade perante os dados destrinchados pela Rede Penssan nos 26 estados e no Distrito Federal.
O estudo mostra que fatores como endividamento e insegurança alimentar grave estão diretamente relacionados, e são mais graves nos lares com crianças em praticamente todos os estados. As desigualdades que permeiam nossa sociedade se refletem nas diferentes regiões, e são também o principal fator gerador de insegurança alimentar. Só é possível superar a fome com o devido enfrentamento da raiz do problema, e isso envolve geração de conhecimento com rigor técnico aliado a retomada, implementação e desenvolvimento de políticas públicas efetivas e estruturadas em âmbitos nacional, estaduais e municipais
, alega Francisco Menezes, analista de Políticas da ActionAid.
Abaixo, a ActionAid destaca pontos que não podem ficar de fora nessa discussão:
1 – Índices de fome mais elevados estão nas regiões Norte e Nordeste
Apesar de a fome correr pelas veias abertas do Brasil, como aponta o Suplemento I do II Inquérito, são os estados do Nordeste e Norte do Brasil aqueles com os maiores percentuais de insegurança alimentar grave. Na região Nordeste, é o estado de Alagoas (36,7%), enquanto no Norte, é o Amapá o que mais sofre com tal cenário (32%). São muitos os possíveis motivos para esse quadro, como o fato de serem estas as regiões onde estão concentradas as maiores proporções de pobreza e extrema pobreza. Mas é importante lembrar, também, que Nordeste e Norte são intensamente impactados pelo desmonte de importantes políticas públicas vigente desde 2016 e intensificado a partir de 2019, tais como o programa Bolsa Família, enfraquecido e depois substituído pelo Auxílio Brasil; o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); o premiado Programa de Cisternas; o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE); e o Bolsa Verde, que foi extinto.
2 – Inflação engole o auxílio governamental
A alimentação e, portanto, o preço dos alimentos, têm enorme peso no orçamento das famílias de menor renda. Assim, a inflação e, mais ainda, a inflação dos alimentos, vem não só corroendo a capacidade de as pessoas se alimentarem, como afetando a qualidade da comida consumida. Diante da inflação, mesmo aquelas pessoas que contam com auxílios governamentais se veem diante da insegurança alimentar moderada e grave.
3 – Grave endividamento das famílias está em todo o Brasil
De acordo com o Suplemento I, houve relato de endividamento em consequência da pandemia em 41,6% das famílias entrevistadas, sendo a menor proporção na macrorregião Sul (35,8%) e maior no Norte e Nordeste (46,7% e 46,0%, respectivamente). É possível apontar alguns grandes equívocos por parte do governo federal e de maioria no Congresso Nacional que acarretaram e seguem promovendo um “círculo vicioso” do endividamento. Um deles foi deixar famílias descobertas pelo Auxílio Emergencial e sem reajuste do Bolsa Família de janeiro a abril de 2021 – ou seja, no momento mais grave da pandemia. Outro grande erro, mais recente, foi atrelar a possibilidade de empréstimo consignado ao repasse do Auxílio Brasil, projetando para o futuro uma verdadeira bomba relógio que agravará ainda mais a pobreza e insegurança alimentar no país.
4 – A fome afeta mais os lares com crianças menores de 10 anos
O Suplemento I mostra que, nas casas em que há crianças com menos de 10 anos, a proporção de insegurança alimentar moderada ou grave é alta em praticamente todos os estados. Tal índice está acima de 40% em todos os estados da região Norte e, no Nordeste, 7 dos 9 estados estão nesta mesma condição.
Entre tantos fatores que levam a tal realidade, está a insuficiente renda para o acesso aos alimentos e, evidentemente, o endividamento já citado nesta nota agrava esse quadro. Assim, retomar políticas de enfrentamento com foco na infância é não só urgente, como fundamental para o desenvolvimento do país. A falta de alimentação adequada nas faixas etárias em que a pesquisa aponta provoca consequências físicas e cognitivas dificilmente contornáveis no futuro dessas crianças.
5 – A importância de conhecer dados por estados x Implementação de políticas públicas
O conhecimento da realidade da situação alimentar no nível estadual, tal qual o Suplemento I promove, permite distinguir com maior precisão os fatores determinantes dos diferentes níveis de insegurança alimentar no país. Isto tem um papel importante na orientação de políticas públicas, não só para cada estado e para o Distrito Federal, mas também para o Governo Federal nas suas decisões acerca das políticas que partem de sua alçada.
O atual governo primou nesses quatro últimos anos, em geral, pelo afastamento de relação com estados e municípios. Dessa forma, ao lado do processo de destruição das políticas de segurança alimentar que praticou, não buscou a articulação vertical com os outros entes, indispensável para o enfrentamento da insegurança alimentar.
Como apoiar a ActionAid na superação da fome:
Com doações a partir de R$ 15, já é possível contribuir para o trabalho da ActionAid na superação da fome. A organização realiza a campanha “Combate à Fome” para beneficiar 12 estados brasileiros na distribuição de alimentos, botijões de cozinha, cartões alimentação e outros itens de apoio às famílias vulnerabilizadas. Desde o início da pandemia, além de todo o trabalho de longo prazo realizado com organizações parceiras, a ActionAid já forneceu mais de 65 mil cestas básicas, grande parte com produtos agroecológicos comprados da agricultura familiar. Essa é uma forma de levar comida de qualidade para comunidades em situação de vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, gerar renda para pequenos produtores impactados com a crise.
Para doar e fortalecer esse trabalho, basta acessar o site Combate à Fome.
Sobre a pesquisa VIGISAN
A pesquisa VIGISAN foi realizada pela Rede PENSSAN e teve execução em campo do Instituto Vox Populi. A Ação da Cidadania, a ActionAid, a Ford Foundation, a Fundação Friedrich Ebert Brasil, o Ibirapitanga, a Oxfam Brasil e o Sesc São Paulo são organizações apoiadoras e parceiras desta iniciativa.
O estudo foi apresentado ao público em junho, primeiro, com dados nacionais e das macrorregiões do Brasil. Na ocasião, foram revelados números graves sobre a insegurança alimentar no país: 33,1 milhões de brasileiros passam fome, enquanto são 125,2 milhões de pessoas em insegurança alimentar – leve, moderada ou grave. As estatísticas foram coletadas entre novembro de 2021 e abril de 2022, a partir da realização de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. A Segurança Alimentar e a Insegurança Alimentar foram medidas pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que também é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para mais informações e entrevistas:
assessoria.imprensa@actionaid.org
Ana Carolina Morett – (21) 99502-1957