Temporais x Racismo ambiental: populações negras e periféricas são sempre as mais impactadas e situação pode se agravar
“A desigualdade na forma como essas pessoas são atingidas pela agravante irregularidade das chuvas precisa estar no centro do debate e das políticas públicas”, alertam especialistas em Justiça Climática da ActionAid
Os temporais que voltam a atingir fortemente estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco, evidenciam mais uma vez que o agravamento das irregularidades das chuvas provocado pelas mudanças climáticas afeta de forma extremamente desigual determinados grupos sociais, prejudicando majoritariamente as populações negras, que em sua maioria residem em regiões periféricas, metropolitanas ou rurais. Mulheres e crianças também são mais fortemente impactadas por esses eventos, como alertam os especialistas em Justiça Climática da ActionAid:
“Por mais que sejam fenômenos globais e que ninguém esteja ileso a isso, os efeitos decorrentes das crises climática e hídrica atingem de forma desigual e desproporcional mulheres, grupos raciais e étnicos subalternizados e historicamente excluídos. O tratamento e a resiliência são diferentes a depender da classe, raça, gênero e território. Pessoas marginalizadas em decorrência de sua renda ou orientação sexual também encontram mais barreiras na busca por essa resiliência e adaptação. Basta nós observarmos, agora, em quais bairros estão as principais vítimas dos alagamentos e deslizamentos por não terem saneamento e moradias adequadas, ou mesmo quem enfrenta os transtornos com o transporte público durante as graves chuvas. É aí que o racismo ambiental é comprovado e, por isso, tem que estar no centro do debate”, destaca Junior Aleixo, especialista em Justiça Social da ActionAid no Brasil, que completa:
“As escolhas políticas refletem um histórico de desigualdades raciais, sociais e econômicas. A cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é um cartão postal às avessas quando observamos o planejamento urbano. Populações negras e empobrecidas são, constantemente, lançadas e removidas para territórios que não possuem condições adequadas de sobrevivência. Seja em detrimento da especulação imobiliária que atravessa o século, desde a criação da primeira favela, até deslocamentos forçados em face às catástrofes e crimes ambientais. São territórios que, necessariamente, precisam de mais investimentos em políticas públicas ambientais, de moradia digna e saúde”.
Jessica Siviero, também especialista em Justiça Climática na ActionAid, ressalta a urgência do desenvolvimento de planos estratégicos para contenção e mitigação dos impactos dos temporais:
“O que vimos em meados do ano passado em Pernambuco e Alagoas e que estamos vendo de novo, agora também no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, é uma combinação entre efeitos nefastos das mudanças climáticas e absoluto despreparo ou mesmo descaso do poder público em construir estratégias e medidas de mitigação para lidar com efeitos já previstos. Ou seja, sabemos a origem do problema, o que é esperado que se aconteça todos os anos nas nossas cidades em decorrência de chuvas fortes e temporais, mas estados e municípios seguem sem desenvolver planos consistentes de mitigação dos efeitos causados pelas mudanças climáticas”, explica a cientista social, exemplificando que Recife é a 16ª cidade no ranking global de cidades mais afetadas pelas mudanças climáticas e que, ainda assim, nem a capital, nem o estado de Pernambuco possuem um plano estratégico para realização de obras e adoção de medidas de mitigação.
“Muitas pesquisas e investigações conduzidas de forma supranacional, articulando pesquisadoras/es e instituições de pesquisa no mundo todo, têm demonstrado que com as mudanças climáticas, os chamados eventos extremos, como os temporais ou secas prolongadas, se tornarão cada vez mais comuns. Os famosos relatórios do IPCC são um exemplo, mas existem outros. Falta participação popular e espaços estruturados e consolidados para construção de planos e estratégias de mitigação”, complementa Jessica.
Junior Aleixo reforça:
“Com as mudanças climáticas, a irregularidade do regime de chuvas é cada vez mais intensa e por isso mesmo a gente tem assistido catástrofes cada vez mais recorrentes, porque os impactos acompanham a intensidade na mesma proporcionalidade.”
“Ações assistenciais e circunstanciais são importantes em contexto de catástrofes, crimes climáticos e ambientais, mas não são suficientes para mudar o quadro. Precisamos de ações que não apenas mitiguem os danos, é preciso um planejamento de antecipação. Este planejamento é feito, em primeiro lugar, associado às populações que são mais afetadas”.
Comunidades e mulheres em ação
Apesar de estarem no centro dos impactos, as mulheres têm se mostrado as grandes protagonistas em ações locais tanto de mitigação quanto de contenção dos efeitos das crises climáticas. Em Pernambuco, por exemplo, organizações parceiras da ActionAid se organizaram para elaborar um dossiê popular sobre impactos das chuvas para demandar ações dos poderes públicos. São as mulheres, também, as principais lideranças e envolvidas nas ações de apoio emergencial, que ano passado levaram comida a mais de 2700 pessoas afetadas pelas chuvas em Pernambuco.
Para mais informações e solicitações de entrevistas:
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Ana Carolina Morett / 21 995021957
Porta-vozes disponíveis:
Jessica Siviero é Cientista Social e mestre em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ). É integrante do Grupo de Estudos em Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (GEMAP/UFRRJ) e especialista em Justiça Climática na ActionAid Brasil. Atua e tem interesse nas temáticas de justiça ambiental e climática, controle e acesso a bens comuns (terra, água, florestas, políticas públicas etc.), regulação e políticas socioambientais, direitos de povos e comunidades tradicionais, de populações rurais e de comunidades atingidas.
Junior Aleixo é doutorando de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ. Especialista de Justiça Climática da ActionAid no Brasil, é pesquisador e comenta sobre relação histórica entre empobrecimento e clima, exploração da terra e dos recursos naturais, políticas públicas de desenvolvimento econômico e rural e estratégias de superação da emergência climática e ambiental.