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Racismo é o principal fator gerador de desigualdades na opinião da população brasileira, revela pesquisa do Instituto Peregum e do Projeto SETA.
Racismo é o principal fator gerador de desigualdades na opinião da população brasileira, revela pesquisa do Instituto Peregum e do Projeto SETA.
Quarenta e quatro por cento da população brasileira considera raça, cor e etnia como o principal fator gerador de desigualdades no país, e mais da metade (51%) já presenciou alguma situação de racismo. Os dados são da pesquisa inédita “Percepções sobre o racismo no Brasil”, realizada pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica). O estudo foi encomendado pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), uma aliança inovadora de organizações das sociedades civil da qual a ActionAid faz parte. Foram ouvidas 2 mil pessoas de 16 anos ou mais, a fim de entender a opinião da população brasileira relativa à percepção sobre racismo. O intervalo de confiabilidade da pesquisa é de 95% e a margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O estudo teve abrangência nacional, foi realizado em 127 municípios brasileiros das cinco regiões do país durante o mês de abril de 2023.
O levantamento aponta que 81% das pessoas participantes concordam que o Brasil é um país racista, sendo que 60% concordam totalmente e 21% concordam em parte. Os índices de concordância com relação a esse tema se mantêm expressivamente altos independentemente de gênero, faixa etária, escolaridade, região do país, porte da cidade, renda familiar, religião, orientação sexual e orientação política. Além disso, 96% da população declara que as pessoas pretas são as que mais sofrem racismo e 88% concordam que esse grupo populacional é mais criminalizado do que as pessoas brancas, sendo que 76% concordam totalmente e 12% concordam em parte.
No que diz respeito à abordagem policial, 79% concordam que ela é baseada na cor da pele, tipo de cabelo e tipo de vestimenta, sendo 63% das pessoas ouvidas concordam totalmente e 16% em parte. Ainda nesse contexto, 84% concordam que pessoas brancas e negras são tratadas de forma diferente pela polícia, sendo 71% concordam totalmente e 13% em parte.
Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid e gestora do projeto SETA, analisa:
“Esses dados escancaram o racismo no Brasil, e demonstram que a população em geral reconhece o racismo em uma das suas faces mais cruéis: a violência institucional, no caso específico, a policial. De forma prática, ela é reflexo do racismo que estrutura nossas instituições, da maneira como naturalizamos a violência contra as pessoas negras e as pessoas moradoras das periferias – cuja maioria é negra. Trazendo esse olhar para o campo da educação, quando o jovem não se reconhece no ambiente escolar, fica ainda mais suscetível à evasão e às abordagens discriminatórias”.
Para Vanessa Nascimento, diretora executiva do Instituto de Referência Negra Peregum, a falta de informações precisas e atualizadas de dados que norteiam as políticas públicas ainda é um problema crônico no Brasil:
“Nesse contexto, uma pesquisa como a que estamos lançando é de fundamental importância prática e simbólica. Os dados aqui reunidos certamente apoiarão as ações de incidência política, subsidiarão as articulações da sociedade entre seus pares e com o poder público, como para ações específicas para mulheres negras”.
A pesquisa revela ainda um paradoxo na forma como a população brasileira reconhece as formas de materialização do racismo, seguindo a lógica já conhecida de afirmação da existência desse fenômeno concomitante à negação da sua existência na própria prática ou nos espaços privados e mais íntimos de suas vidas.
Por exemplo, se 81% concordam totalmente ou em parte que o Brasil é um país racista, apenas 11% afirmam que têm atitudes ou práticas racistas, 10% que trabalham em instituições racistas, 13% que estudam em instituições educacionais racistas, 12% que sua família é racista, 36% que convivem com pessoas que têm atitudes racistas e 46% que convivem com pessoas que sofrem racismo. Isso significa que a população brasileira identifica que o país é racista, mas tem dificuldade de nomear o racismo em suas experiências pessoais.
De acordo com Jaqueline Santos, consultora de monitoramento e avaliação do Projeto SETA, relatora da pesquisa e antropóloga, a negação do racismo no Brasil e sua respectiva invisibilidade se constituiu como um obstáculo para o reconhecimento público e à tomada de decisão para superar as desigualdades sofridas por pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas. No entanto, essa pesquisa revela que as lutas dos movimentos negros, indígenas e antirracistas surtiram efeitos nas últimas décadas, porque a população brasileira reconhece cada vez mais o racismo como um problema, apesar das limitações para compreender suas dimensões institucionais, estruturais e sistêmicas e para a visão crítica em seu espaços privados de convivência.
“Por um lado existe uma dificuldade de identificar o racismo estrutural e, por outro lado, a dificuldade de identificar o racismo no universo privado pela pessoa respondente, ou seja, no cotidiano das escolas, do trabalho, das famílias e outros espaços de convivência. É possível relacionar o cenário com o baixo percentual de pessoas que aprenderam sobre o racismo nas escolas de forma adequada”.
As instituições de ensino são idealizadas como espaços onde não há lugar para atos discriminatórios, no entanto, de acordo com o levantamento, 38% das pessoas que afirmam já ter sofrido racismo apontam a escola/faculdade/universidade como locais onde essa violência ocorreu. Mulheres pretas são as que mais percebem que raça/cor é o principal motivador de violência nas escolas (63%). Nos espaços da educação básica, as pessoas pretas foram as que mais vivenciaram agressão física, 29%. Para 64% das pessoas jovens entre 16 e 24 anos, o ambiente educacional é onde mais sofrem racismo.
A lei federal 10.639/2003 que, neste ano completa 20 anos, tornou obrigatório o ensino de “história e cultura afro-brasileira” dentro dos componentes curriculares que já fazem parte da grade-escolar dos ensinos fundamental e médio. Na prática, porém, a realidade é outra, apenas 46% aprenderam história e cultura afro-brasileira, 37% sobre racismo, 25% história e cultura africana. A abordagem sobre história e cultura afro-brasileira na escola para aqueles que aprenderam essa temática foi considerada muito adequada por 42% dos respondentes, pouco adequada por 47% e nada adequada por 9%.
“A violência em espaços escolares talvez seja a parte mais dramática das violências a que nossas crianças e jovens estão expostos. A escola deveria ser um ambiente seguro, de socialização. Porém, é um espaço que acaba propiciando episódios de violência física e simbólica. Precisamos entender que o racismo também é um gerador de violência. Xingamentos, exclusão e bullying acabam atingindo muito mais crianças negras e indígenas”, comenta Ana Paula Brandão.
De acordo com a gestora, a violência física é talvez a mais visível entre as formas de violência institucionalizada que não permite que criança e jovens negros alcancem todo seu potencial e tenham direito à uma educação pública, laica e de qualidade.
“Sabemos que é dever do Estado garantir indistintamente, por meio da educação, direitos iguais para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional. É disso que trata a Lei 10.639/2003 e suas respectivas diretrizes, a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na educação escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino”.
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