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Projeto Meninas em Movimento promove formação para prevenir a violência sexual na infância
Projeto Meninas em Movimento promove formação para prevenir a violência sexual na infância
Texto e fotos: Aline Vieira Costa
Educadoras sociais que atuam no projeto Meninas em Movimento participaram de uma formação sobre como prevenir o abuso e a violência sexual contra crianças entre 0 e 11 anos. Para conversar com o grupo de cerca de 20 profissionais, a ActionAid convidou duas profissionais que são referências no tema: a escritora e pesquisadora Caroline Arcari e a cientista social Mana Duarte. Elas trouxeram elementos teóricos e práticos sobre como abordar o assunto nessa faixa etária em que o tema precisa ser tratado com ainda mais cuidado.
Tricia Calmon, especialista em Monitoramento e Projetos da ActionAid, que realiza o Meninas em Movimento em sete territórios pernambucanos com o patrocínio da Petrobras e do Governo Federal, explica a escolha do tema para capacitar educadoras das organizações parceiras do projeto, Casa da Mulher do Nordeste, Centro das Mulheres do Cabo e Etapas:
“Como se trata de algo muito específico, sentimos necessidade de fazer treinamento com a equipe para que esteja mais bem capacitada a fazer abordagem de prevenção e identificação de violência contra crianças dessa idade”.
Nessa perspectiva, Caroline Arcari trouxe muitos elementos sobre como os adultos se relacionam com as crianças, estabelecem vínculos com elas e ainda interferem positivamente ou não no processo de confiança, de segurança e de autoproteção. Isso se dá no momento em que a criança se torna capaz de perceber quando há algo de errado acontecendo e, de alguma forma, consegue acionar mecanismos de ajuda.
“Ocorre que, muitas vezes, a gente desqualifica, desvaloriza, invalida, diminui e distancia a criança tanto da realidade quanto dos adultos em volta”, explica Caroline, que é mestra em Educação Sexual e autora de 12 livros infantis, entre eles o best-seller “Pipo e Fifi”.
Caroline reforçou a importância de se usar um vocabulário correto com as crianças, para que falem sobre elas e sobre o tema, bem evitar mitos machistas que “tentam explicar o mundo” e, que, por vezes, acompanham a criança até a vida adulta e as próximas gerações, tais como “moça deixa de ser moça se andar de perna aberta”, ou “se não souber cuidar da casa, não vai ajudar o marido”.
“Agindo assim, deixamos de dar justificativas, falar sobre causa e efeito. Muitas vezes, as lendas urbanas são usadas como forma de educar, controlar e proteger de alguma forma. Hoje temos internet, ciência, políticas públicas e, mesmo assim, as fake news continuam, gerando tristeza, mágoa, violência, medo”.
A cientista social Mana Duarte focou na abordagem prática e provocou, entre as educadoras, momentos de reflexão sobre vulnerabilidades e potencialidades que elas identificam nos contextos dos territórios onde atuam. Mana enfatizou o entendimento de que o enfrentamento à violência sexual contra meninas deve começar dentro de casa, já que muitos casos de abuso e violência sexual contra crianças são praticados pelos próprios familiares:
“É fundamental que a gente possa buscar uma coidentificação com as mães, cuidar melhor delas, sensibilizá-las no sentido de garantir o direito das meninas, e garantir também o direito dessas mães”.
Mana considera importante o fortalecimento do clã feminino em famílias chefiadas apenas por mulheres, descortinando o machismo que está em toda parte, nos locais mais distantes, nos interiores de Pernambuco, sobretudo onde ainda vigoram resquícios de relações escravocratas, fortalecidos com a permanência da monocultura da cana de açúcar, por exemplo, até cerca de 1990.
“É um trabalho com muita potência, de equipes muito apaixonadas pelo que fazem. A gente percebe pelo envolvimento, pela doação, pela dedicação. Agora, é importante cuidar da equipe também e revisitar nossos próprios machismos, nossas próprias dificuldades. Foi uma grata surpresa ver o quanto essas instituições estão preparadas, após décadas de trabalho”, frisa a cientista social.
Da teoria à prática, as educadoras tiveram a oportunidade de revisitar e compartilhar as próprias vivências com o objetivo de trazer consciência da existência de uma cultura opressora socialmente imposta e ressignificá-la. A educadora Juliana Araújo, do Centro das Mulheres do Cabo, com atuação no Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, relata o que aprendeu:
“Eu desconstruí muitos mitos, revivi momentos da minha infância, lembrei de músicas que minha avó cantava, não sei se eram cantigas de ninar ou cantigas para me amedrontar. Percebi que educamos as crianças reproduzindo o que sempre nos foi passado. Uma das coisas que pretendo levar é o ‘repensar’ e não reproduzir o que nos foi ensinado nesta cultura ditadora. Outra coisa é tornar possível que as crianças e meninas do projeto tenham conhecimento do quanto é importante falar sobre educação sexual sem se sentirem constrangidas”.
Para a educadora, a capacitação foi uma ferramenta muito importante, uma vez que a temática é uma realidade no cotidiano de muitas meninas nas várias comunidades onde o projeto atua.
“Carol, com todo seu atrativo lúdico falando dessas violências, reforça que nós ainda temos um longo caminho a trilhar e que proteger essas crianças é um papel de todas, todos e todes nós, que fazemos parte dessa rede de proteção. Já Mana nos fez refletir sobre esses espaços de proteção, os retrocessos e os poucos avanços nas políticas públicas de garantia desses direitos”, compara.
Tricia enfatiza os desafios de lidar com o tema na prática, por envolver questões delicadas e, por vezes, subjetivas. “A gente sempre trabalha o assunto da criança integrado à vida e condições do adulto, porque, se a gente trata separadamente, acaba mantendo a criança no contexto de desproteção, porque as famílias não são fortalecidas, instrumentalizadas, e vão acabar dependendo de alguma intervenção externa. Talvez, por conta disso, tenha uma incidência tão alta, um silenciamento tão alto”, analisa.
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