Olimpíadas: jogos para poucos
Os Jogos Olímpicos poderiam ser uma oportunidade para que as comunidades do Rio de Janeiro tivessem acesso a um importante instrumento de superação para muita gente: o esporte. Poderiam, mas não foram. Leia a entrevista com a Assessora de Programas da ActionAid no Brasil, Gabriela Pinto, sobre o legado de um megaevento que não cumpriu seu papel de inclusão e igualdade.
1) Como a organização dos jogos poderiam tornar o evento realmente inclusivo para as comunidades do Rio?
Em primeiro lugar é preciso avançar muito na transparência, participação e democratização do processo decisório junto à população local. Deveria ser discutido com a população os projetos e os respectivos impactos sociais e econômicos na vida das pessoas e da cidade. Deveria haver consultas públicas, referendo, apresentação pública dos orçamentos previstos e dos gastos públicos para que população pudesse avaliar e expressar se para ela seria prioritário de fato investir recursos públicos para viabilizar a realização de jogos olímpicos em detrimento de outras áreas prioritárias como saúde, educação, moradia e segurança pública principalmente no caso da cidade do Rio de Janeiro. A experiência que tivemos no Brasil desde os Jogos Pan-Americanos são que os projetos e os investimentos que foram realizados deveriam ser objetos de uma discussão democrática, transparente com a população, e isso não foi feito. A realização de uma olimpíada não deveria ser sinônimo de intensas violações direitos humanos como aconteceu no Brasil, e as violações foram principalmente em favelas e em áreas em situação de pobreza onde atingiu majoritariamente a população negra, em situação de pobreza, jovens e mulheres. Este modelo de implementação dos megaeventos esportivos se transformou em “oportunidades de investimento”, grandes negócios e ganhos para o capital financeiro, empreiteiras, empresários e para especulação imobiliária. As obras são apresentadas como fundamentais para a melhoria da infraestrutura da cidade, entretanto servem a um projeto excludente e de concentração econômica. Os projetos olímpicos beneficiaram intensamente o setor de construção civil, em especial as grandes empreiteiras. Desde 2009, ano que a cidade foi escolhida para sediar os jogos mais de 77 mil pessoas perderam suas, segundo o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
2) Como as comunidades que a gente trabalha mais sentem a desigualdade?
Segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública), apenas na cidade do Rio de Janeiro houve 40 mortes decorrentes de intervenção policial no mês de maio de 2016, um aumento de 135% em comparação aos 17 mortos no mesmo período do ano passado. No estado, o número passou de 44 a 84, consolidando um aumento de 90%. Apenas, no período das olimpíadas de 03 a 21 de agosto de 2016 foram contabilizados 107 tiroteios, 34 vítimas fatais e 58 feridos segundo Fundação Cesgrario/Fogo Cruzado/Ipetur, 2016. Alguns destes confrontos que resultaram em vítimas fatais e violações foram em territórios de nossa atuação como Maré e Cidade de Deus, o que reflete a ausência de um projeto de segurança pública que garanta acesso a direitos e justiça social nestas áreas. Outra questão nas comunidades foi o intenso processo de remoções, uma das maiores da história do Rio de Janeiro, que aconteceram para viabilizar principalmente interesses da especulação imobiliária e de grupos e agentes que querem transformar a cidade em um espaço a ser mercantilizado e não vivido de forma plena pela população. A construção de grandes obras, como construção da trasoeste levou a destruição de comunidades como a Vila Recreio e da Vila Harmonia, por exemplo. Destacaram-se ainda os gastos públicos feitos nas favelas sem consulta nenhuma à população. Muros cercearam a Maré com a justificativa de fazer uma “barreira acústica”. Na Rocinha o poder público propôs a construção de um teleférico que não cumpre em nada a principal demanda pautada pelos moradores, que é o saneamento básico, tido como uma questão central hoje na comunidade. A atual política de mobilidade urbana para as favelas cariocas tem sido a proliferação de projetos de teleféricos.
3) O que você espera que vá acontecer com a cidade – sobretudo as comunidades e as políticas sociais – depois dos jogos?
Após os jogos o que vamos enfrentar é o desafio de vivermos em uma cidade cada vez mais desigual. Viveremos a experiência similar a outros países que foram cidade-sede: endividamento público, altos gastos para manutenção dos equipamentos olímpicos, precarização dos serviços públicos, fortalecimento de um modelo de cidade voltado para especulação imobiliária e privatização dos espaços públicos.
No dossiê de candidatura de 2008 o valor estimado dos Jogos era de R$28,8 bilhões. Com a mais recente atualização da Matriz de Responsabilidade, em janeiro de 2016, este valor passou para R$39,07 bilhões nos dados oficiais, superando em quase R$14 bilhões o custo da Copa do Mundo de 2014 e chegando a quase dez vezes os R$3,7 bilhões gastos com o Panamericano de 2007 (Pacs, 2016). Na versão atual da Matriz, houve um aumento da participação do poder público de 36%, em agosto de 2015, para 40,1%. Para além dos gastos públicos outra questão central é que passaram-se os jogos e ainda não temos uma política de segurança pública na cidade do Rio de Janeiro. O que ficou foi a experiência de um modelo de militarização dos territórios e ocupação militar ligadas diretamente à preparação dos Jogos. Um modelo cujo objetivo não foi a ampliação de acesso a direitos, a segurança pública e acesso a serviços públicos de qualidade.