O que a “reforma trabalhista” tem a ver com as mulheres?
No dia 11 de julho, após uma sessão extremamente turbulenta no senado, foi aprovado o projeto de lei n. 38, apelidado de “reforma trabalhista”. Após o levantamento de algumas das mudanças presentes no projeto de lei, fiquei me perguntando o porquê desse apelido. É que a palavra “reforma” dá a impressão pra gente de uma mudança para melhor, de um investimento para resultados positivos, afinal, eu não reformo a minha casa para tirar o telhado dela, como o que aconteceu em relação ao PLC 38.
As mudanças trazidas pelo código trarão grandes impactos para o mundo do trabalho no Brasil e, dada o tamanho da retirada de muitas garantias conquistadas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tem o potencial de aumentar ainda mais as desigualdades no nosso país. Mas então por que falar das mulheres?
A resposta é simples. Embora nós mulheres tenhamos alcançado bastante espaço no mercado formal, dentro da classe trabalhadora ainda ocupamos uma posição frágil. Mesmo as mulheres tendo, em média, mais estudo e qualificação, a diferença salarial entre homens e mulheres é de 16%. Além disso, somos maioria nos postos de trabalho informais, de menor poder de decisão e de tempo parcial. Por serem os sujeitos mais frágeis dentro das relações de trabalho, acabam sendo as mulheres as mais atingidas por medidas que flexibilizam direitos e garantias nesse setor.
A flexibilização do tempo para o contrato de trabalho de carga horária parcial muda de 25 para 30 horas, com possibilidade de um período de trabalho de 26 horas com mais 6 horas extras. Isso torna mais atrativa a substituição da contratação de tempo integral para o tempo parcial, que diminui proporcionalmente o salário, e acaba por expor aquelas que estão em condição de maior vulnerabilidade social e por isso, precisarão continuar aceitando a contratação informal (sem carteira assinada). É o que diz, inclusive, nota técnica do DIEESE sobre o tema.
Ainda sobre o tema da informalidade, um dos artigos da lei coloca que “quando estabelecidos os critérios da informalidade” será afastada toda legislação relativa ao trabalho formal (CLT). Ao não especificar exatamente quais os critérios da informalidade, a lei deixa em aberto para que uma série de contratos seja feita informalmente tirando muitas garantias essenciais para as mulheres, como por exemplo, a que estabelece o período de estabilidade das mulheres grávidas.
Por falar em gravidez, acabamos chegando a um dos pontos mais cruéis de toda a legislação. A lei permite que grávidas e lactantes trabalhem em lugares de insalubridade média ou mínima. Para que consigam afastamento desse ambiente, as mulheres nessa situação seriam obrigadas a apresentar pedido médico formal nesse sentido. Levando em consideração a situação do acesso das mulheres aos serviços de saúde no Brasil, fica até difícil medir o quanto será difícil para essas mulheres conseguirem deixar de trabalhar grávidas e lactantes em lugares insalubres.
Outro ponto polêmico é sobre a regra que determina que os danos morais cobrados por empregadas devam ser proporcional ao salário recebido por elas. Sendo os danos morais cobrados devido a possíveis constrangimentos sofridos pelas vítimas, a regra praticamente coloca que alguns constrangimentos não são tão grandes assim se você for alguém que recebe baixo salário. Quando trazemos isso para o âmbito dos processos de dano moral contra o assédio das mulheres, é estarrecedor pensar que para o empregador será mais barato assediar mulheres de baixa condição salarial, sendo a lei praticamente permissiva nesse ponto.
Além desses pequenos pontos, uma pesquisa mais detalhada é capaz de mostrar ainda muitas outras questões, como é o caso da revogação do descanso de 15 minutos para as mulheres antes que elas iniciem suas horas extras (regra que inclusive era confirmada pelo Tribunal Superior do Trabalho).
São tempos difíceis para as mulheres brasileiras. Os impactos em longo prazo dessas medidas ainda estão para ser medidos. A história[1] mostra que países que mudaram suas legislações trabalhistas nesse sentido não conseguiram aumentar consideravelmente os índices de emprego, em especial entre jovens e mulheres e, pior, aprofundaram os níveis de desigualdades nos seus países. É importante que nós mulheres estejamos atentas, organizadas e fortes. Garantir uma vida sem violência para as mulheres passa também por garantir melhores condições de trabalho pra elas. É nosso dever expor essas desigualdades e reivindicar novos tempos e horizontes para todas nós.
[1] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/27/internacional/1493296487_352960.html