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Dia Mundial da Água: ActionAid destaca 4 pontos para pensar a crise hídrica no Brasil
Dia Mundial da Água: ActionAid destaca 4 pontos para pensar a crise hídrica no Brasil
Estima-se que entre 12% e 18% de toda a água doce do mundo esteja em território brasileiro. Mas, a despeito disso, chuvas irregulares e secas extremas vêm pintando um cenário preocupante. O desequilíbrio climático está diretamente ligado a uma das piores crises hídricas que o país já enfrentou nos últimos 90 anos. A ActionAid, que atua há mais de 20 anos no combate às injustiças sociais no país – e que vem implementando projetos para auxiliar comunidades no enfrentamento à escassez de água – apresenta uma nota técnica, e afirma: a saída para esse problema precisa ser social, política e coletiva.
O documento vem a público em data oportuna: o Dia Mundial da Água. O objetivo é mostrar que a falta desse precioso recurso está diretamente ligada à ação humana: ao desmatamento, ao modelo agroexportador e às práticas destrutivas da mineração. Os processos de urbanização agravam o problema, com falta de planejamento hídrico adequado. Quem já sofria antes, sofre ainda mais: as desigualdades estruturais de gênero e de raça são reforçadas com o acesso à água precarizado, sobretudo com desmontes de políticas públicas relevantes.
Ao fim da nota técnica, a ActionAid apresenta uma agenda de recomendações para que a escassez hídrica seja vencida no Brasil. A crise climática precisa ser enfrentada, entre outras medidas, com o fortalecimento de políticas públicas comprovadamente eficazes; com efetiva regulação e controle socioambiental; com a transição para matrizes energéticas verdadeiramente renováveis e limpas; com a regularização de territórios tradicionais; com participação das parcelas excluídas da população nas tomadas de decisão; e com promoção de justiça social, territorial, econômica e climática. Investimento a uma produção de alimentos calcada na agroecologia é urgente. A implementação de tecnologias sociais, como as cisternas de água potável e de água para irrigação, é uma valiosa aliada nesse processo.
Para a ActionAid, a sociedade precisa ir além da ideia de consumo consciente da água. Deve cobrar projetos políticos de seus candidatos e representantes eleitos e apoiar entidades comprometidas com a superação de injustiças. Uma das ações da organização – a partir de seu trabalho em mais de 540 comunidades de 12 estados brasileiros, a maior parte delas no semiárido – é a campanha Água É Vida, destinada a fortalecer projetos de acesso à água e potencializar ações já estabelecidas e comprovadamente eficazes nesses mais de 20 anos de atuação no Brasil.
Ao contribuir com a iniciativa, os doadores da ActionAid apoiam tecnologias sociais de acesso à água e para convivência com o semiárido, como a implementação de cisternas e capacitações técnicas para comunidades sobre uso e manejo sustentável desse tão precioso e ameaçado recurso natural.
O primeiro ponto da nota técnica lança a seguinte pergunta: de onde vem a falta d’água? Estudo lançado recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, afirma, de forma definitiva, que a ação humana influenciou as mudanças climáticas. E que a expectativa para o Brasil é de 28 milhões de pessoas sem acesso à água até 2100.
O desmatamento é um gatilho indiscutível nesse processo: segundo dados da plataforma MapBiomas, entre 1985 e 2019, o Brasil perdeu cerca de 87,2 milhões de hectares em áreas de vegetação nativa, o que equivale a 10,25% do território nacional. Todos os biomas sofreram uma redução considerável na superfície hídrica, principalmente o Pantanal e a Caatinga, com menos 68% e menos 17,5%, respectivamente.
O modelo agroexportador vigente é responsável por um considerável gasto de água. A irrigação para a agricultura foi o maior destino para o uso da água no Brasil, em 2019, contabilizando cerca de 50% da vazão. O consumo humano é de cerca de 26%. A mineração também tem um papel perverso nessa dinâmica.
Segundo um relatório da Agência Nacional das Águas publicado em 2019, a atividade retira 1,7% das águas de nossas bacias hidrográficas. Sem contar com o processo de contaminação causadas por descartes tóxicos nos rios mares e solos. Se confrontados os dados sobre uso e ocupação do solo e consumo d’água por atividades minerárias com os dados relativos à agropecuária e irrigação, por exemplo, a mineração torna-se aparentemente pequena, ainda assim é extremamente destrutiva.
A nota técnica aponta, ainda, como a dinâmica das cidades tem sido, de modo inerente, catalisadora da crise hídrica. De acordo com dados apresentados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, “apesar de ocuparem apenas 0,6% do solo do país, as cidades são grandes responsáveis pela degradação das águas por conta do esgoto não tratado, que despeja nos rios coliformes fecais, matéria orgânica e outros poluentes”.
Com tanto desperdício e poluição das águas, a conta acaba sendo paga, principalmente, pelos historicamente vulnerabilizados. A insegurança hídrica, medida pelo fornecimento irregular ou mesmo falta de água potável, atingiu, em 2020, 40,2% e 38,4% dos domicílios do Nordeste e Norte.
Segundo uma publicação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade, uma pessoa pode gastar até 36 dias no ano em busca de água no semiárido brasileiro – são, sobretudo, mulheres e meninas, que desempenham essa função nas dinâmicas familiares. A nota também destaca a urgência de inserir a reflexão sobre racismo ambiental no debate. De acordo com o pesquisador Victor de Jesus, doutorando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Espírito Santo, “a cada uma hora e meia uma pessoa negra morre por não ter saneamento adequado no Brasil”.
A estrutura fundiária do Brasil, uma das mais concentradas do mundo, corrobora com acessos desiguais, inclusive da água, e com a exploração das florestas e dos biomas. De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, os 10% maiores estabelecimentos agropecuários brasileiros controlam 73% das terras.
Num recorte racial e étnico, essa desigualdade torna-se abissal: pessoas brancas dominam 208 milhões de hectares – quase 60% de toda a área utilizada para agropecuária. Em se tratando das desigualdades de gênero, enquanto homens são chefes de 81% dos estabelecimentos agropecuários, mulheres chefiam 9% deles.
A nota técnica destaca a situação precária do programa Um Milhão de Cisternas. Criado em 2003, teve seu pior desempenho no ano de 2021, com a entrega de apenas 4,2 mil cisternas. Mas, de acordo com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), o déficit de cisternas no semiárido é de, pelo menos, 350 mil unidades.
A nota técnica aponta que a transição agroecológica é caminho para enfrentamento das mudanças climáticas – inclusive no que diz respeito à crise hídrica. São práticas que aliam saberes científico e tradicionais, que protegem solos e espécies. Apoiar os pequenos agricultores passa por retomar políticas públicas em articulação com a sociedade, garantindo, por exemplo, acesso à assistência técnica e extensão rural para fortalecer a produção de tipo agroecológica e ampliação de tecnologias sociais de acesso a água.
As cisternas de primeira e de segunda água – destinadas, respectivamente, para beber/cozinhar e para irrigação/animais – precisam ser implementadas juntamente com outros aparelhos de armazenamento e tratamento de água.
No que diz respeito à produção de energia, a organização recomenda reduzir a dependência de matrizes que usam grande quantidade de água (ex.: centrais hidrelétricas); investir em energias inovadoras que sejam verdadeiramente limpas e renováveis.
Esses debates precisam ser protagonizados pelas pessoas mais vulnerabilizadas pela crise climática e pela escassez hídrica. A sociedade deve se engajar profundamente na questão e buscar toda as formas possíveis de agir, mas o poder público precisa assumir seu papel, com uma gestão pública, democrática e popular fortalecida.
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