Cidades para quem?
Semana passada, tivemos a III Conferência da ONU para o Habitat. Representantes de governo, de agências, da sociedade civil e de movimentos se encontraram em Quito, Equador, para discutir uma nova agenda urbana para os próximos 20 anos. Para quem olha de longe, sem se envolver no processo, pode acreditar que se trata de mais uma daquelas reuniões internacionais onde governos assinam compromissos, mas nada muda na vida das pessoas. Porém, desta vez é diferente. E sabe por quê?
Primeiramente é bom olharmos para a conferência em si e entender do que se trata. A Conferência da ONU para o Habitat acontece a cada 20 anos. É a partir dela que governos e sociedade civil identificam os principais temas da agenda urbana a serem abordados. E como sabem, o mundo está cada vez mais urbano. No Brasil, 85% da população vivem nas cidades. E no mundo, estima-se que em 2030 teremos 60% da população em cidades.
Se olharmos para trás, vemos que o processo de urbanização se intensificou nas últimas décadas. As cidades ficaram mais densas. Porém, elas não foram planejadas para isso. E vou além, em muitos casos, o desenho da cidade foi feito a partir da especulação e de forma bem patriarcal. E qual o resultado? Temos cidades fragmentadas, desiguais. De um lado, áreas superpopulosas, sem infraestrutura ou espaços e serviços públicos de qualidade. Do outro, uma cidade acessível, mas não para todos. Para as mulheres, a situação ainda é pior, pois além da má qualidade, há o medo de violência nas áreas públicas. Pense na sua cidade, e verá que a descrição se encaixará.
Esta Conferência veio para repensar a cidade. Na última vez que ocorreu, há 20 anos, ela trouxe o reconhecimento do direito a moradia adequada a todas e todos. Neste ano, o tema foi o Direito à Cidade. Para parte da sociedade civil, que buscava o reconhecimento deste conceito, o direito à cidade é uma nova forma de pensar a cidade. É olhar a partir do coletivo, uma cidade que efetivamente seja para todos, como um bem comum. É ter espaços públicos, serviços de qualidade, onde não há discriminação, nem desigualdade de gênero. Enfim, é uma cidade inclusiva, justa, democrática e sustentável.
Quando os governos assinaram a declaração com a inclusão do Direito à Cidade, pela primeira vez em um documento da ONU, foi uma vitória histórica nossa. Mais ainda, foi uma vitória de todas e todos que vivem nas cidades. A semente de uma nova visão urbana foi plantada e cabe agora aos governos federal e local, implementarem ações para transformar este conceito em realidade. Como sociedade civil, continuaremos na luta, monitorando e exigindo a ação.
Como morador de uma cidade, quero viver em um lugar onde as mulheres não tenham medo de sair à noite ou de usar transporte público; um lugar onde espaços públicos sejam ocupados pelas pessoas de forma livre e inclusiva; um lugar onde serviços públicos sejam de qualidade para todos, independente de onde mora. A Conferência nos trouxe a esperança de mudança. Cabe agora que os países coloquem em prática. Que tenhamos cidades seguras para as mulheres, e cidades inclusivas e justas para todos!