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Você sabe o que é cartografia social? Conheça projeto que envolveu comunidades e empresas
Mapear é se reconhecer, identificar o lugar onde se vive e trabalha, lugar que guarda memórias, histórias e conflitos. Porém, os mapeamentos oficiais, em grande parte dos casos, têm invisibilizado os modos de vidas tradicionais.
É nesse contexto que surgiu o projeto “Mapeamento no Complexo Suape em Cabo de Santo Agostinho – Pernambuco, Brasil”, que buscou através da cartografia social reconstituir esse território, a partir da perspectiva das comunidades impactadas pelo empreendimento, identificando áreas que foram desapropriadas, propondo as legendas necessárias para a compreensão dos processos sociais que ali se deram e destacando os lugares de pertencimento e conflitos.
Com isso, o projeto desenvolveu uma ferramenta de abertura de diálogos e mitigação entre as empresas do Complexo e as comunidades impactadas, como explica Rosemere Nery, educadora da FASE e coordenadora do Fórum Suape, entidades parceiras da ActionAid no projeto:
Isso fortaleceu as lideranças das comunidades a lutarem pelos direitos, a pensar que elas são donas de seus territórios, moram ali há anos e têm direito. É importante pensar num desenvolvimento que inclua as pessoas, não num desenvolvimento em que elas sejam retiradas. Essas pessoas moravam nessa região há anos. Nasceram lá, seus avós, seus pais… Então, elas mantêm o ecossistema funcionando, respeitando esse ecossistema.
Financiado pela Fair, Green and Global Alliance (FGG), o projeto foi executado em rede, numa parceria entre a ActionAid no Brasil e na Holanda, o Centro das Mulheres do Cabo (CMC), a Universidade Federal Pernambuco (UFPE), a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), a organização socioambiental Fórum Suape e as comunidades quilombolas, extrativistas, agricultoras e pescadoras da região, que produzem e constituem seus modos de vida em referência ao mar, ao mangue, aos rios e ao acesso à terra.
O projeto foi desenvolvido no município de Cabo de Santo Agostinho, envolvendo as comunidades Vila Nova Tatuoca e Engenho Serraria, e em Ipojuca, na comunidade Quilombo Ilha de Mercês. São populações que têm sido afetadas de forma negativa nos últimos 40 anos pela instalação do Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS), que conta com mais de 70 empresas.
Carolina Coêlho, que coordenou o projeto pela ActionAid, explica:
Centenas de pessoas foram expulsas das suas casas, tiveram que interromper seus modos de vida, em nome do ‘desenvolvimento’. Portanto, se vamos debater sobre responsabilidade corporativa, é preciso fornecer e fortalecer os instrumentos e as ferramentas que as comunidades têm, para que elas consigam se nivelar no debate com os governos e corporações da região.
De um lado, o Complexo não cumpriu as promessas de geração de empregos, aprofundando desigualdades, de outro, privou o acesso aos bens comuns, inviabilizando práticas centenárias desempenhadas pelas comunidades, como a coleta sustentável nos manguezais, como conta Maria José da Silva, pescadora e moradora da Vila Nova Tatuoca:
Antes de chegar o estaleiro, a gente pescava em qualquer canto que a gente quisesse. Aí a gente morando lá, não podia pescar porque estava numa área perto do estaleiro, por causa da construção. Até hoje não pode ainda. Aí eu acho errado, que no lugar onde a gente cresceu e se criou, não poder mais pescar.
No projeto, o processo de construção da cartografia social das comunidades atingidas pelo Complexo de Suape foi fundamental para que as comunidades se reconhecessem e demarcassem seu lugar de pertencimento. Os mapas oficiais não nomeiam ou evidenciam as diferentes comunidades e territórios tradicionais existentes na região. Desta maneira, a cartografia aparece como uma ferramenta para construir um mapa baseado na experiência e olhar de quem de fato vive nos territórios. Professora aposentada e moradora da comunidade de Engenho Serraria, Joseane Amara conta como foi esse processo:
A gente fez a legenda assim: no ponto onde era minha casa, eu desenhei uma casa. Onde eram os rios, a gente desenhou um rio. Onde era plantação, a gente desenhou plantas. Onde passou a rede ferroviária, a gente desenhou o que existia por onde passou. Então a gente começou a construir o nosso mapa, da nossa comunidade, colocando em cada ponto uma coisa que existia naquele lugar. Isso é ser reconhecido. Mesmo com a estrada chegando, mesmo se instalando, ficando grande, tendo muita indústria, mas nós já existíamos. Pequenos, pobres, mas nós já existíamos nesse lugar. Sabíamos o que existia, o que tem hoje e o que deixou de existir.
Do projeto, também saiu um Protocolo de Intenções, que reuniu informações sobre a atuação das empresas do Complexo, envolvendo entrevistas e identificação das ações de responsabilidades corporativas, e, também, a perspectiva das comunidades sobre a atuação e impactos causados pelas empresas em seu território.
Helena Lopes, que fez parte da equipe da ActionAid no projeto, avalia que tanto o mapa quanto o Protocolo de Intenções indicam caminhos possíveis para o fortalecimento das comunidades locais, garantia de direitos e acesso ao território e aos bens comuns.
O grande desafio da elaboração e da gestão de projetos é construir caminhos nos quais eles não se encerrem em si mesmos. É possibilitar ambientes criativos, nos quais esses projetos se conectem às dinâmicas já existentes nos territórios e que permitam também uma espécie de complementaridade entre o que já é parte dos modos de vida, ou dos fazeres das comunidades, possibilitando uma conexão também com aquilo que pode ser fortalecido através dos projetos.
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