Caminhos para o combate à pobreza em um cenário de crise econômica
A ActionAid entende que pobreza não é apenas ausência de renda, mas de tudo aquilo que impede as pessoas de terem autonomia para fazer escolhas em suas vidas. Por isso, há 20 anos no Brasil, junto a nossos parceiros em 13 estados, realizamos projetos que trabalham com as causas estruturantes do problema e que vêm mostrando eficiência na melhoria das condições de vida das pessoas de forma sustentável.
Mas, para vencermos de fato a pobreza e a fome, principalmente num contexto econômico desafiador e de agravamento das desigualdades sociais, é fundamental que as ações para pôr fim às vulnerabilidades sociais ganhem escala, se fortaleçam. Acreditamos – e temos visto nos territórios em que atuamos – que políticas públicas, entre elas o Bolsa Família, têm papel fundamental nesse sentido, uma vez que podem beneficiar a todos os brasileiros e brasileiras que precisem.
Ao longo desse tempo de trabalho no Brasil, acompanhamos de perto iniciativas de vários tipos, inclusive políticas públicas, que deram resultados positivos para tirar o país do Mapa da Fome, das Nações Unidas.
Alinhados ao entendimento de nossos analistas e de economistas de diversas linhas de pensamento, acreditamos que políticas públicas devem ser mantidas, aprofundadas e/ou retomadas, como explica nosso analista de Programas Francisco Menezes em artigo publicado na Folha de S. Paulo no dia 19 de fevereiro de 2020.
Leia o artigo na íntegra:
“Só nos resta pedir para que eles lembrem dos pobres.” Esta frase, dita à Folha por uma mulher que aguarda há quase um ano sua entrada no Bolsa Família, muito revela sobre o quadro de extrema pobreza no Brasil e sobre as formas utilizadas para reverter o grave cenário.
Por falta de dinheiro, como diz a reportagem publicada em 10 de fevereiro, o governo passou a controlar a entrada de novas famílias no programa, deixando 1 milhão delas na fila de espera em janeiro. O orçamento do Bolsa Família, aprovado pelo Congresso Nacional para este ano a partir da proposta enviada pelo governo federal, além de não prever a inclusão de novos beneficiários poderá ainda obrigar a exclusão de outros tantos, assim como não permitirá qualquer reajuste no valor repassado. Observe-se que o valor mensal médio, corrigido pelo INPC de 2019. foi quase 7% inferior ao que foi pago em 2014.
Isto se dá em um contexto de crescimento da pobreza e, sobretudo, da extrema pobreza no Brasil. E já se vão quatro anos que a Síntese dos Indicadores Sociais, divulgada pelo IBGE, vem dando a má notícia. Em 2018, de acordo com a última publicação, a pobreza até retrocedeu ligeiramente, mas aqueles que foram jogados em um estado de miséria tornaram-se ainda mais numerosos, somando 13,5 milhões de pessoas —o maior índice desde 2012. O diagnóstico dessa situação, em geral, se repete: a crise econômica seria a responsável por triste sina.
De fato, a crise e a recessão que dela resultou tornaram o país mais pobre. Mas qual foi a medicação aplicada frente ao diagnóstico? Acenando-se com a retomada de um crescimento econômico que até agora não chegou de forma convincente, propagou-se a ideia da austeridade como sinônimo de seriedade e responsabilidade nas contas públicas. Mas austeridade para quem? Os dados disponíveis mostram quem ficou responsável por pagar a conta. Nos últimos quatro anos, o rendimento dos 40% com menor poder aquisitivo decresceu, enquanto que os 10% mais ricos viram sua renda aumentar.
O agravamento da situação de miséria de milhões de brasileiros é facilmente percebido nas ruas, ao mesmo tempo em que a fome volta a fazer parte da realidade de quem vive em áreas mais vulneráveis, como o semiárido nordestino. Portanto, há que se avaliar o caminho escolhido, assumindo-se que não existe uma única fórmula para enfrentar a dita crise.
A opção que foi tomada não apostou em uma reforma tributária progressiva e no potencial do investimento público. O receituário aplicado teve como centro a inusitada PEC do teto de gastos aprovada no final de 2016, cujos cortes recaem pesadamente sobre os gastos sociais. Radicalizam-se as políticas mais restritivas que já vinham sendo experimentadas e projeta-se um país ingovernável para breve. O desemprego dobrou o índice de cinco anos antes, na esteira de duas reformas trabalhistas que prometiam a multiplicação de empregos e entregaram informalidade e precarização. E o resultado não poderia ser diferente do que cada Síntese dos Indicadores Sociais nos últimos anos vem mostrando.
Mais além da pobreza monetária aqui já comentada, a desigualdade e a falta de acesso a serviços públicos essenciais continuam a castigar as camadas mais vulneráveis da população. A assistência do Estado àqueles mais necessitados vai se reduzindo. Não só o Bolsa Família, mas outros programas que formavam o chamado “colchão de proteção social” vão sendo esvaziados ou extintos. Exemplo claro é o que ocorre com o Programa de Cisternas, premiado internacionalmente, mas que no ano passado instalou somente 30 mil dessas tecnologias sociais —algo muito abaixo das 149 mil instaladas em 2014.
Então, que se assuma sem subterfúgios. Não se trata apenas da crise, mas das escolhas feitas para enfrentá-la. E essas escolhas, como os dados também mostram, aprofundaram as diversas desigualdades no país e, por consequência, o empobrecimento de parte de nossa população. Enquanto não for revisto o caminho adotado, os indicadores não irão alterar sua rota, e a fábrica que produz pobreza e extrema pobreza continuará a funcionar celeremente.
Por Francisco Menezes, analista de Programas da ActionAid
Texto originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 19/2/2020.