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ActionAid alerta para aumento da violência contra a mulher no mundo durante pandemia
ActionAid alerta para aumento da violência contra a mulher no mundo durante pandemia
Enquanto a Covid-19 se alastra e se capilariza pelo mundo, uma segunda pandemia vem na sua esteira, e emerge de forma mais silenciosa: a da violência de gênero. Os isolamentos e toques de recolher nos mais diversos cantos do planeta restringiram o acesso das vítimas às medidas de socorro e causaram o fechamento de abrigos de proteção – só em Uganda, onde os casos de agressão dobraram, dez abrigos da ActionAid tiveram que suspender suas atividades por conta do coronavírus. Desempregadas e sem proteção social, as mulheres estão cada vez mais presas aos seus agressores dentro de suas casas – ou obrigadas a voltar ao convívio com eles. Em paralelo, os países precisaram direcionar fundos para o combate ao coronavírus.
Em nosso novo relatório, publicado no dia 25 de junho, nós da ActionAid revelamos um crescimento aterrador da violência doméstica em regiões da Europa, África, Ásia, Oriente Médio e América Latina. Em Bangladesh, os casos acompanhados aumentaram dez vezes durante a pandemia – em comparação com o mesmo período do ano passado.
Na Nigéria e no território ocupado da Palestina, o salto foi de sete vezes. Na Itália, houve uma alta de 59%. Outros dados bastante alarmantes constam na publicação: no Brasil, a taxa de feminicídio subiu 22% – comparando março e abril de 2020 com o mesmo período de 2019. O Acre tem o número de elevação mais grave: 300%. No Quênia, 35,8% de todos os crimes registrados nas duas primeiras semanas de toque de recolher correspondiam a estupro ou outras formas de violência sexual.
A violência baseada em gênero se tornou uma “pandemia à sombra”, e esses dados, além de substanciais, são previsíveis. Os governos já falhavam em fornecer serviços básicos, gratuitos e essenciais para solucionar essa brutalidade – como linhas diretas de apoio, abrigos, pronta resposta da polícia e da justiça e assistência médica. Antes mesmo do surto de Covid-19, 137 mulheres eram assassinadas intencionalmente por alguém da família, em média, em todo o mundo. Diariamente.
A ONU estima que 45 milhões de dólares (aproximadamente 240 milhões de reais) seriam necessários para combater a violência de gênero global durante a pandemia, mas nem 0,3% desse orçamento foi destinado para essa finalidade. É a seção mais subfinanciada, segundo o Rastreamento Financeiro das Nações Unidas de Resposta à Covid-19. As instituições internacionais não se pronunciam: não houve menção ao assunto no Rastreador de Políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), nem no Banco Mundial, e nem na Proteção Social e Resposta Trabalhista à Covid-19 da Organização Internacional do Trabalho.
Esse investimento faz mais falta, justamente, na linha de frente das organizações locais, onde a atuação profissional é majoritariamente feminina, e onde, consequentemente, as necessidades específicas das mulheres são mais levadas em conta. Na reunião inaugural da Cúpula Mundial Humanitária, quatro anos atrás, foi decidido que 25% do financiamento humanitário seria direcionado às organizações locais, como os abrigos para mulheres apresentados nesse nosso novo relatório. Mas o plano global da ONU para a Covid-19 está fora dos trilhos, com apenas 0,1% do financiamento destinado a organizações locais.
A Secretária Geral da ActionAid Internacional, Julia Sánchez, alerta para a evidente subnotificação da violência de gênero e chama a atenção para a urgência de mudar o ponto de vista sobre o assunto:
Governos, instituições de caridade e doadores em todo o mundo devem tomar medidas urgentemente para aumentar os níveis lamentáveis de financiamento dos serviços de proteção às mulheres e organizações locais que trabalham na linha de frente da pandemia de Covid-19 e, de fato, em todas as crises e desastres humanitários. Dois terços dos profissionais de saúde do mundo são mulheres, mas apenas um quarto dos órgãos de decisão sobre a pandemia é composto por mulheres. Isso explica por que a pesquisa em saúde não monitora as necessidades específicas das mulheres e as decisões estão sendo tomadas sem levar em consideração as mulheres, mesmo que sejam elas as que mais sofrem as consequências desse impacto.
A importância das organizações locais é inegável em Bangladesh. Lá, foram assinalados 1.495 casos de violência contra mulher em março e abril de 2020, comparados com 138 no mesmo período do ano passado. Mas não é só isso. As redes, que atuam em mais de 25 distritos, testemunharam um aumento de 345% nos casos de violência física contra as mulheres só em abril, e ainda alertam para a subnotificação causada pelas tensões do isolamento.
Os campos de refugiados de Rohingya, no distrito de Cox’s Bazar, registraram 28% de aumento nos casos de violência de gênero. Mulheres e meninas estão presas numa situação de “jaula pressurizada”, segundo as redes de apoio. Os sete “espaços seguros” da ActionAid estão autorizados a permanecer abertos apenas para apoio vital às mulheres, muitas delas sobreviventes de violência sexual em conflitos. As únicas ações de apoio permitidas são acesso a alimentação, saneamento e água.
Na Nigéria, 253 casos de violência de gênero foram contabilizados em cinco estados desde o início da pandemia. A diretora nacional da ActionAid Nigéria, Ene Obi, alerta para a ineficácia, inclusive, dos mecanismos judiciais e do sistema prisional:
Nunca ficamos tão alarmados com a violência causada a mulheres e meninas como nos últimos tempos. Meninas, mulheres, jovens e velhas vivem com medo, pois não se sentem seguras nem em suas próprias casas. Devido à pandemia, a prisão não é mais suficiente para servir como ferramenta de dissuasão, já que a maioria desses casos está sendo resolvida fora dos tribunais. Isso significa que não há justiça real para as sobreviventes e suas famílias.
No Brasil, o aumento dos números de feminicídio, que são pressupostos como subnotificados, convocam para a ação direta. Junto com 11 parceiras, como a Casa da Mulher do Nordeste e o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, a ActionAid Brasil conduziu a Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico, que foi lançada por um bate-papo digital no início de junho. O mote, “Ficar em casa é questão de saúde. Dividir tarefas e viver sem violência também”, tem por objetivo levar mensagens de divisão justa e vida livre de violência de gênero, especialmente em áreas rurais e mais vulneráveis. Os materiais alertam para abusos e esclarecem formas de prevenir e denunciar a violência doméstica.
Glauce Arzua, nossa gestora de Engajamento Público, chama a atenção para que a autonomia das mulheres não seja deixada para trás, muito menos durante uma crise como a da Covid-19.
A ActionAid tem investido no fortalecimento da autonomia das muheres e em espaços exclusivos para que elas possam conhecer e compartilhar seus problemas – espaços que forneçam apoio, onde se façam campanhas contra a violência doméstica e onde elas se fortaleçam para gerar seus próprios negócios. Isso tudo está parado agora por causa do isolamento. E essas mulheres não devem ser deixadas para trás. Mais uma vez, estão trancadas em suas casas, tendo que assumir todas as tarefas, sem ter uma palavra a dizer, ou expostas ao abuso quando têm algo a dizer. Esse é o ciclo de abuso.
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