Energia das mulheres de Passarinho mobiliza e transforma
Ficou evidente, no último fim de semana, a força das mulheres que conduzem a comunidade do Passarinho, na Zona Norte do Recife. Na noite de sexta-feira, cerca de 30 moradoras se uniram para realizar um lanternaço, reivindicando melhores serviços e mais direitos. Caminharam por aproximadamente uma hora, com velas e lanternas nas mãos, denunciando os pontos de escuridão onde se sentem mais vulneráveis a assaltos ou à violência de gênero. Em alguns trechos, a ausência total de luz e o mato alto dos dois lados da rua, sem pavimentação, são assustadores. Num determinado momento, fiquei para trás para fazer imagens de um trecho assim, e logo apertei o passo, com medo, para encontrar minhas companheiras. Imagina passar ali todos os dias, voltando para casa após um dia cansativo de trabalho e/ou estudo, sem vinte e tantas mulheres lhe esperando à frente?
“Assalto aqui é constante, até porque não temos policiamento”, me disse Evandra Dantas, uma das moradoras que organizou o ato.
Além de pedir melhor iluminação ao poder público, as mulheres de Passarinho querem a ampliação do acesso à creche. Nas proximidades da comunidade, há apenas uma, que fica em Olinda, cidade vizinha. Os moradores contabilizam 150 crianças de 0 a 3 anos em Passarinho. Sem creches suficientes, muitas mulheres saem para trabalhar e comprometem sua renda tendo que pagar outras pessoas para tomar conta de seus filhos. O déficit de creches no Brasil é alarmante. Segundo dados do Observatório do Plano Nacional da Educação*, até 2013, apenas 27,9% das crianças frequentavam creches. A ausência deste serviço prejudica especialmente as mulheres pobres, uma vez que, sem alternativa para cuidar de suas crianças, muitas param de trabalhar ou estudar.
Durante o lanternaço, as mulheres também aproveitaram para distribuir pela comunidade panfletos convidando os moradores para a segunda edição do Ocupe Passarinho, que aconteceu durante todo o dia de sábado na praça local. A energia da noite de sexta se multiplicou no dia seguinte. Desde às 9h, as moradoras organizadas em coletivos de mulheres finalizavam a decoração das barracas com chita, montavam seus stands para expor artesanato, roupas, livros e comidas, e iniciavam as diversas oficinas de zine e stencil, agricultura urbana, reciclagem e contação de histórias, entre outras. Onde você olhava, tinha uma mulher liderando uma atividade. Ao longo do dia, moradores de Passarinho e de outros bairros do Recife, e representantes de movimentos sociais e coletivos foram chegando.
O Ocupe Passarinho é um ato político-cultural inspirado no Ocupe Estelita, que ganhou fama nacional reivindicando o direito à cidade. Em Passarinho, a primeira edição aconteceu em outubro de 2015, para reivindicar a melhoria dos instrumentos públicos que não acompanharam o crescimento do bairro e defender o direito à moradia de cerca de cinco mil famílias da localidade de Vila Esperança, que residem numa área equivalente a 33 campos de futebol e estão sob ameaça de despejo por conta de uma ação judicial de reintegração de posse. Um ano depois, algumas melhorias pontuais de serviço foram feitas e reuniões com o poder público realizadas. Os objetivos gerais do evento, no entanto, continuam os mesmos.
A Carta Política do Ocupe Passarinho 2016 pede despoluição do Rio Passarinho, tratamento de esgoto, educação ambiental com postos de coleta seletiva do lixo, potencialização das experiências de agricultura urbana realizadas com as mulheres da comunidade, equipamentos de esporte e lazer, equipamentos e profissionais de educação e saúde, melhor atendimento de transporte, mais patrulha no bairro e programas de incentivo à geração de renda para os moradores. Em especial, o Ocupe Passarinho pediu o direito à moradia, com a conclusão do processo de regularização fundiária da localidade Vila Esperança, que quase foi removida em 2014, se não fosse a mobilização comunitária que chamou a atenção de todos, com grande visibilidade na mídia local e nacional.
Na campanha Cidades Seguras para as Mulheres, da ActionAid, costumamos dizer que uma cidade segura para elas é uma cidade segura para todos. Potencializando esta visão, o que as moradoras de Passarinho mostraram no último fim de semana, a tirar pelas demandas da carta política listadas acima, é que uma cidade liderada pela mobilização das mulheres é uma cidade mais justa, inclusiva e segura para todos.