Combate ao coronavírus: É hora de promover a solidariedade em todas as esferas
Como organização internacional atuante pelo fim da pobreza em 43 países, acreditamos que as respostas às emergências globais e locais devem ter em seu núcleo a justiça social e a dignidade humana. Diante do cenário de Covid-19 e dos graves impactos que a pandemia do novo coronavírus causará na saúde e nas condições socioeconômicas dos brasileiros, nós da ActionAid expressamos nossa extrema preocupação com as populações mais vulneráveis, que já vinham sendo fortemente impactadas nos últimos anos pelo contexto de crise econômica e pelas medidas de austeridade adotadas para reverter tal cenário.
Por isso, estamos unindo ainda mais as forças com nossos parceiros e com diversas organizações da sociedade civil, além de contar, mais do que nunca, com a solidariedade dos milhares de doadores que fazem possível nosso trabalho de longo prazo em prol da alimentação segura, do acesso à água, da igualdade de gênero e da conquista de direitos básicos para 300 mil pessoas em situação de pobreza em 13 estados do país. É hora de catalisar esforços e promover a solidariedade em todas as esferas para enfrentarmos esses tempos difíceis.
Desde o primeiro alerta da chegada da pandemia ao Brasil, adotamos as medidas de isolamento social em nosso escritório e orientamos as organizações parceiras para que também seguissem em seus territórios as recomendações da Organização Mundial da Saúde e dos principais órgãos competentes para colaborarmos na redução da proliferação do vírus.
Mas nossos esforços não se esgotam por aí. Sabemos que a pandemia e seus impactos crescentes atingirão mais duramente aqueles que não possuem empregos formais, garantias trabalhistas, condições adequadas de moradia e de higiene. Em sua primeira estimativa, já no contexto de eclosão da pandemia, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que até 25 milhões de pessoas poderão perder seus empregos no mundo, fora as que hoje já estão desempregadas. Essa é uma perspectiva especialmente preocupante num país em que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 41,5% da força de trabalho está na informalidade.
Como fome e pobreza são fenômenos correlatos, isto contribui ainda mais para que o Brasil se encontre em uma situação de profunda vulnerabilidade diante da pandemia. Dados de 2018, já mostravam que pessoas em extrema pobreza somavam um total de 13,5 milhões de pessoas, em uma escala ascendente que se iniciou em 2015.
Nesse contexto, as mulheres – que estão no centro do nosso trabalho – são as mais afetadas, já que representam as maiores taxas de desocupação e informalidade no mercado de trabalho, além de serem a maioria entre os trabalhadores do setor de saúde, ficando expostas à contaminação na linha de frente do combate ao novo coronavírus.
São também as mulheres as principais responsáveis pelas atividades domésticas e de cuidados com as crianças e idosos da família, inclusive com os que adoecem. Com escolas e creches fechadas, são elas que absorvem a sobrecarga de trabalho.
Francisco Menezes, analista de Políticas e Programas da ActionAid no Brasil, avalia a situação:
As dificuldades de prevenção, isolamento e enfrentamento do problema por parte dos grupos mais vulneráveis os expõem a um risco enorme. Sem acesso a saúde e renda, pioram também as condições alimentares dessas pessoas que, se desnutridas, tornam-se ainda mais vulneráveis aos efeitos do vírus. É uma bola de neve, com implicações que afetam a todos. Se não forem tomadas medidas rápidas e efetivas de amparo a estas populações, que vão desde a garantia de renda básica e ampliação dos beneficiários do Bolsa Família a medidas de manutenção do abastecimento de alimentos, como as merendas escolares, temo por uma tragédia humanitária.
Assim, desde a última semana, intensificamos nossas articulações e apresentamos junto a fóruns, redes e organizações da sociedade civil brasileira um conjunto de propostas de combate à extrema pobreza e à fome a serem implementadas, em caráter urgente e emergencial, pelos governos nas esferas federal, estadual e municipal.
Entre as diversas propostas, estão a expansão de programas de transferência de renda e seguridade social; a adoção de medidas para a garantia do abastecimento alimentar; retomada imediata do Programa de Cisternas no Semiárido; garantia de políticas de proteção e defesa do direito à alimentação e à saúde de povos indígenas e comunidades tradicionais. Integramos também a campanha Renda Básica Que Queremos, cuja proposta já foi aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, e assinamos ofício da Habitat Para a Humanidade Brasil que requere ao Ministério Público Federal providências para garantia de acesso à água e saneamento básico para favelas, periferias e comunidades de baixa renda no país.
Enquanto agimos pela implantação de ações urgentes e imediatas das esferas públicas, reforçamos o diálogo constante com os projetos parceiros para compreendermos a situação nos territórios, suas dificuldades e possíveis medidas de enfrentamento ao novo coronavírus.
Estamos avaliando caso a caso a melhor maneira de aplicar nossos esforços e apoio nesse momento tão grave, sempre com a perspectiva de respeito à tomada de decisões das comunidades e com foco no nosso robusto trabalho de longo prazo. Os recursos aos parceiros continuam sendo repassados mesmo com a reorientação das atividades originalmente planejadas para que as crianças, famílias e comunidades que contam com nosso apoio não fiquem desassistidas.
O crescimento da pobreza, da desigualdade, do aquecimento global, da intolerância e de conflitos vem criando desafios para todos os que acreditam na construção de um mundo mais igualitário. Na contramão disso, com apoio fundamental de parceiros e doadores, temos unido esforços pelo enfrentamento desses desafios seguindo os caminhos da igualdade de gênero, da alimentação segura através da agroecologia e da resiliência climática.
Agora, temos um desafio global sem precedentes a ser enfrentado. Mas já sabemos que, juntos, somos mais fortes.