8 de março: mulheres incríveis atraem mulheres incríveis
Mulheres incríveis atraem mulheres incríveis. Para celebrar o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, realizamos um projeto com a fotógrafa recifense Bruna Valença, que nos acompanhou às comunidades Charneca e Ipojuca para registrar as Rodas de Terapia Comunitária do nosso parceiro Centro das Mulheres do Cabo, em Pernambuco. Lá nos deparamos com a força emocionante dessas mulheres. As belas fotos que acompanham este relato são resultado deste encontro, que inspira todas nós.
As Rodas de Terapia Comunitária criam um espaço seguro e acolhedor para aproximadamente 200 mulheres, de dez comunidades da região. Nos encontros, que acontecem mensalmente, as participantes trocam experiências e buscam, nas vivências umas das outras, respostas para questões que atravessam suas vidas. Apesar da particularidade da emoção de cada uma, o contexto socioeconômico do local faz com que os relatos sobre os problemas enfrentados se revelem bastante semelhantes.
Numa região historicamente marcada pela pobreza, e que recentemente passou por um processo de desenvolvimento acelerado e desigual – desencadeado pelo boom de investimentos no Complexo Industrial Portuário de Suape, a partir de 2007 –, muitas famílias que já viviam em situação de vulnerabilidade viram as marcas da violência e do alcoolismo se aprofundar pela falta de perspectiva. Para as mulheres, que vivem em estruturas familiares patriarcais, ficam claras as consequências: uma vida de preocupação e cuidados com maridos, filhos e netos afetados pelo processo.
Foi a partir da identificação desses assuntos nas cartas que as crianças que participam do nosso Programa de Apadrinhamento escreviam que surgiu a ideia e a vontade de trabalhar diretamente com essas mulheres. Afinal, ao mudarmos as vidas delas, mudamos as vidas de todos a sua volta.
CUIDAR DE SI PARA CUIDAR DO MUNDO
A transformação vem através da metodologia do autocuidado, em que elas partem das suas histórias pessoais para falar de direitos e superar seus problemas. Muitas vezes, músicas ou poesias ilustram os assuntos discutidos e traduzem sentimentos difíceis de serem ditos. A arte é importante para dar a elas energia para enfrentar a dureza da realidade que as cerca.
São mulheres com histórias de vida desafiadoras, mas que através da resiliência, esperança, do amor, da renovação e da sua força conseguiram encontrar novos caminhos junto com a nossa parceria. Por isso, essa semana vamos compartilhar suas histórias e o sentimento que cada uma deixou marcado em nós.
RESILIÊNCIA
Eu sou encantada com esse trabalho de fortalecimento das mulheres, de reconhecimento de seus direitos, porque desde muito cedo nós somos muito oprimidas. Pensava-se que não tinha espaço para as mulheres e, quando a gente participa, a cada oficina, a cada seminário, isso me fortalece cada vez mais.
Aulette de Almeida, 41 anos, mora com seus dois filhos, Lucas, 12, e Luna, 7, na Charneca, no Cabo. Ela cresceu na comunidade em meio a reuniões e encontros do Centro das Mulheres do Cabo, sempre acompanhando sua mãe; assim como hoje seus filhos a acompanham. Recentemente, ela perdeu o marido, mas não perdeu o brilho no olhar e a vontade de seguir em frente.
Aulette é uma liderança e mobiliza as mulheres para as atividades que apoiamos, trazendo a perspectiva de direitos para as conversas. Ela nos conta que vê as rodas de terapia como algo fundamental para transformar a vida das mulheres da sua comunidade:
A primeira coisa é que, com as rodas, elas têm um espaço para ir, um lugar que é delas. São mulheres que trabalham o tempo todo em casa, cuidando dos filhos. Então, quando elas saem e chegam naquele espaço, se encontram com outras mulheres que vivem a mesma realidade, que tem os mesmos desafios, as mesmas alegrias. Dentro dessa roda, elas começam a descobrir formas de resolver seus problemas, formas de ir em busca de sonhos, a partir da realidade da partilha que é feita ali.
AMOR
Cleonice Maria da Conceição é uma das sócias fundadoras do nosso parceiro no Cabo. Com uma beleza singular, ela foi nossa anfitriã durante a visita. Hoje ela mora com seu marido, seu irmão, seu enteado e ainda cria o filho da enteada desde novinho. “É o meu menino”, conta ela. Ela vive na Charneca há mais de vinte anos e estava presente quando as atividades do CMC começaram. Desde então, não perde uma roda de terapia ou encontro de mulheres:
A gente espairece o que está sentindo, ajuda no relaxamento da gente, porque a gente desabafa e ouve os outros também. A gente passa o nosso para os outros e os outros passam os deles para a gente. E a gente se sente bem, sai calma, leve.
Com tantas mulheres e tantas histórias, perguntamos qual a mulher que mais a inspira na vida. Cleonice só pausou na resposta para segurar as lágrimas.
Primeiro era a minha mãe e agora é só minha filha. Minha mãe porque me botou no mundo, me criou, me ensinou tudo o que eu sei e agora tenho minha filha, ela é tudo para mim. Ela é meus braços e minhas pernas, é tudo.
Sua filha, Alda, compartilha da mesma energia da mãe e está sempre envolvida na melhoria do espaço usado para as rodas:
Eu fui conhecendo os direitos das mulheres desde que estava na barriga da minha mãe. Eu sempre acompanhava ela. Me aproximar das atividades do CMC me ajudou muito, porque eu era muito tímida. Hoje eu gosto de participar de tudo que aparece e faço parte do conselho que acompanha as ações da diretoria do CMC. Meu filho também participa do Programa de Apadrinhamento desde pequeno.
FÉ & ESPERANÇA
Rosália da Silva, conhecida como Rosinha, é uma mulher sorridente. Quem a vê cheia de energia não imagina que sua vida possa ter sido marcada por tantas dores. Ela tem um filho, mas perdeu quatro, e vive uma relação desafiadora com o marido. Depois de muita luta, conseguiu encontrar na roda e na igreja espaços de acolhimento, segurança e força para continuar. Hoje esses lugares dão um norte à sua vida. Com ela, aprendemos sobre a fé e a esperança.
As rodas contribuíram muito na minha vida. Hoje penso que quando a gente passa por alguma dificuldade é para a gente adquirir mais fortalecimento na vida, mais fé. Eu me vejo como um instrumento na vida das outras mulheres, a cada instante que a gente chega aqui achando que o nosso problema é muito maior do que o das outras, a gente ouve as histórias e enxerga novas formas de lidar com as situações.
RENOVAÇÂO
Maria Eduarda tem 22 anos e mora com seu marido em Ipojuca, no Cabo. Durante a nossa conversa, nos contou, com lágrimas nos olhos, que sua mãe é a pessoa que mais admira no mundo. Faltam palavras para explicar o porquê. “Ela é muito guerreira”, fala depois de um tempo. Criou os três filhos sozinha, fazendo de tudo ao seu alcance para que eles tivessem a oportunidade de um futuro melhor.
E é para isso que Maria Eduarda trabalha e participa das atividades do CMC. Ela é monitora de ônibus escolar e participa das atividades do nosso parceiro desde os 15 anos, sempre ao lado de sua mãe. Nesses sete anos, já viu algumas coisas mudarem:
Apesar de Ipojuca ser um lugar perto de tudo, as mulheres daqui eram como se fossem mulheres de engenho, que não sabiam de nada, não conheciam leis, seus direitos, nada. E agora, com as rodas, elas realmente tentam correr atrás das suas coisas e do seu futuro. Hoje todas procuram terminar os estudos e fazer alguma coisa.
FORÇA
Madalena ou Madal, como gosta de ser chamada, tem 40 anos e mora há 17 na comunidade Califórnia, em Ipojuca, que junto com o Cabo faz parte da microrregião de Suape. Ela mora com seus quatro filhos e o marido. A mais nova, Lais, tem 11 anos e sempre a acompanha a todos os cantos, desde que nasceu. “É que ela é muito traquinas, então eu carrego ela para onde vou”. Madal é voluntária há treze anos na escola da comunidade, onde são realizadas as atividades do Programa de Apadrinhamento, das quais Lais participa.
Desde que se mudou para o local, Madal participa de todas as atividades realizadas com as mulheres e conta que nas rodas às vezes encontra caminhos sem nem precisar falar de seus problemas:
Eu gosto muito. Não perco uma. É tão bom a gente se reunir, discutir as coisas. Ajuda a gente a lidar com os problemas. Às vezes a gente nem fala sobre o nosso problema, mas aí sai um assunto e você pensa, eu estava precisando disso aí.
GRATIDÃO
Quando a gente gosta do que faz a gente acaba mudando a vida dos outros.
Bruna Valença, 26 anos, foi a fotógrafa desse projeto especial, que tocou a todos. Seu olhar sensível foi essencial para transmitir todo o cuidado e carinho que vimos dessas mulheres umas com as outras nas rodas. Ela foi fundamental também para traduzir em imagens esses sentimentos e possibilitar o surgimento de novas narrativas para a vida dessas mulheres. A ela deixamos a nossa profunda gratidão
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