Elas são múltiplas. Mães, esposas, namoradas, trabalhadoras, educadoras, cuidadoras, filhas, estudantes. Elas são muitas, milhares, milhões pelo país afora. E numerosas também na Maré, complexo de favelas que abriga 16 comunidades onde vivem cerca de 132 mil pessoas – sendo 51% mulheres.
Enquanto no Brasil cerca de um terço dos domicílios são chefiados por mulheres, na Maré este número é ainda maior: dos cerca de 40 mil domicílios existentes, nada menos do que 45% são sustentados por elas (segundo o Censo 2010).
Neste contexto, ter um espaço exclusivamente dedicado às mulheres – suas lutas, necessidades, dúvidas, ideias – torna-se fundamental para o desenvolvimento do próprio território. Afinal, grande parte da economia local depende da renda delas, além de serem as responsáveis por direitos históricos conquistados na Maré.
Assim nasce a Casa das Mulheres da Maré – iniciativa da Redes da Maré – que abrigará projetos e serviços voltados para o empoderamento e incentivo à autonomia das mulheres. Situada em um edifício de quatro andares no Parque União, a Casa com 360 metros quadrados tem a fachada ocupada por um painel de azulejos criado a partir de oficinas realizadas com as mulheres. Neste primeiro momento a Casa abrigará o Maré de Sabores, um bem-sucedido projeto que desde 2010 já formou mais de 350 mulheres da Maré.
Hoje, o Maré de Sabores mantém um bufê que atende por encomenda. Assim, o primeiro e segundo andares serão voltados para abrigar uma cozinha industrial e salas de aula – além das oficinas de gastronomia, as alunas participam também de encontros onde são discutidas questões de gênero.
“Estamos estudando a oferta de outros cursos profissionalizantes, já que na Maré existem centenas de estabelecimentos comerciais e de serviços e muitas mulheres trabalham nestes locais”, afirma Shirley Villela, coordenadora da Casa das Mulheres. “Pensamos em cursos avançados de estética e de cabeleireiro, por exemplo, já que na Maré a demanda por estes serviços é grande”, diz.
O Censo de Empreendimentos da Maré mostrou que estabelecimentos de beleza e estética ocupam o segundo lugar dentre comércio e serviços oferecidos no território (são 307 estabelecimentos ou 10,4% do total), atrás apenas de bares (660 estabelecimentos ou 22,4% do total).
Além disso, o índice de mulheres empreendedoras na Maré é alto: cerca de 40% do total de empreendedores. E pelo menos 43% dos trabalhadores empregados nos empreendimentos localizados na Maré são mulheres – o que reforça a necessidade de ampliar programas de qualificação profissional para oportunidades de trabalho em diversos setores, tanto dentro quanto fora da Maré.
Rompendo o ciclo de violência e submissão
Há ainda o fato de muitas destas mulheres sofrerem ou terem sofrido algum tipo de violência doméstica. Muitas se veem aprisionadas a uma situação de dependência financeira e emocional que não permite que elas rompam o ciclo de violência. Desta forma, além da qualificação profissional, é fundamental garantir assistência em diferentes áreas para que elas possam buscar e assegurar os seus direitos, além de se fortalecer psíquica e emocionalmente.
Assim, em breve a Casa das Mulheres receberá núcleos de assessoria jurídica, psicológica e social – todos em parceria com universidades, que cederão estagiários para orientar as mulheres. O primeiro convênio já foi assinado com a UFRJ, por meio do Núcleo de Interdisciplinar de Ações para a Cidadania (NIAC).
“O momento é mais do que propício para a inauguração deste espaço. Embora questões de gênero tenham despontado com força, em episódios extremos de feminicídio e estupros, entendemos que a violência contra a mulher é um problema antigo, que infelizmente sempre ocorreu”, reflete Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré. “Só agora estamos realizando o sonho de inaugurar a Casa das Mulheres, mas ela é fruto de uma luta de décadas, por mais direitos e conquistas”.
A construção da Casa das Mulheres da Maré foi viabilizada com apoios e parcerias: ActionAid (que realizou campanha junto a doadores individuais em 2013), Instituto Lojas Renner (edital púbico em 2014) e Fundação Ireso (parceria institucional da fundação alemã com a Redes da Maré).
Sobre a Redes de Desenvolvimento da Maré – Instituição que atua na Maré com o objetivo de transformar estruturalmente a realidade do território por meio de projetos que articulem diferentes atores sociais. A Redes desenvolve projetos em diferentes áreas, tais como educação, cultura, segurança pública e geração de trabalho e renda. Mais informações: www.redesdamare.org.br
Perfil das mulheres da Maré (Censo 2010)
- 51% de moradores são mulheres
- 57% se declaram negras (pretas e pardas)
- Cerca de 10% não são alfabetizadas
- Das que passaram pela educação formal, a maioria não chegou ao Ensino Médio
- 63% das mulheres que trabalham possuem renda mensal entre 1/4 de salário mínimo e 1 salário mínimo