Relatório Luz 2025 aponta que Congresso e ultradireita ameaçam avanço da Agenda 2030 no Brasil
A 9ª edição do Relatório Luz da Sociedade Civil revela o Brasil numa encruzilhada a cinco anos do prazo final da Agenda 2030. O documento — construído pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, uma coalizão de 46 organizações, movimentos e fundações, com apoio da União Europeia, Fiocruz e Plan International Brasil — aponta um cenário paradoxal para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no país.
Se, por um lado, o Brasil conseguiu avançar com políticas sociais importantes e frear a regressão em áreas cruciais, como a redução da pobreza e da desigualdade, com destaque para a saída do Mapa da Fome; por outro, num flagrante descompasso, o contexto político de intensas ameaças, com o crescimento da ultradireita no Congresso e um orçamento limitado, ameaça o desenvolvimento sustentável.
A instabilidade geopolítica, com um cenário marcado por persistência de conflitos e desigualdades, multilateralismo sob ataque e desfinanciamento da ONU, também impacta diretamente a capacidade das nações de avançarem em direção aos ODS.
Esta edição do Relatório Luz evidencia, com base em fontes públicas oficiais do Estado brasileiro, que a implementação de políticas públicas verdadeiramente transformadoras do ponto de vista social, econômico e ambiental está paralisada. O documento aponta que, das 169 metas que compõem os 17 ODS a serem atingidos até 2030, apenas 12 tiveram um avanço satisfatório entre 2023 e 2024, isto é, 7,14%. Outras 73 (43,45%) apresentaram algum progresso, porém insuficiente.
Por outro lado, 75 metas (44,62%) não apresentaram qualquer progresso: 34 (20,23%) ficaram estagnadas; 26 (15,47%) tiveram retrocesso; e 15 (8,92%) estão com avanço ameaçado.
Políticas públicas que envolvem violência policial, racismo sistêmico, população em situação de rua, educação, agrotóxicos, Pantanal, saneamento básico e desigualdade de gênero são algumas das que apresentaram situações mais preocupantes. Confira mais abaixo um resumo da análise de cada uma dessas áreas.
Ferramenta independente de controle social, organizada e editada pela ONG Gestos — Soropositividade, Comunicação e Gênero desde 2017, o Relatório Luz é o principal documento de monitoramento dos ODS no Brasil e o único construído pela sociedade civil a analisar todas as metas da Agenda 2030 que se aplicam ao país. Esta nona edição, elaborada por 70 especialistas, traz 149 recomendações para a implementação de políticas públicas que dialoguem com o desenvolvimento sustentável do país.
“Os dados, que marcam a primeira década da Agenda 2030, desvelam contradições abissais. Enquanto a sociedade civil clama por ações urgentes, o avanço é bloqueado por interesses não republicanos, como as emendas impositivas, o Orçamento Secreto e PEC da Blindagem, que minam os recursos e também a confiança da população nas instituições públicas”, analisa Alessandra Nilo, editora do Relatório Luz.
“Globalmente, a persistência de conflitos, com destaque para o genocídio palestino, esfacela nossos pactos civilizatórios, enquanto o multilateralismo, pilar para a cooperação, sofre ataques destrutivos que levam inclusive ao desfinanciamento da ONU. Destinamos trilhões de dólares à indústria da guerra, ao mesmo tempo em que os recursos para a paz e os direitos humanos são minguados. Essa inversão de prioridades impacta diretamente a capacidade de todos os países, incluindo o Brasil, de cumprir a Agenda 2030, que fica cada vez mais distante de se tornar realidade”, complementa Alessandra.
Nas palavras de Juliana Cesar, coordenadora de produção do Relatório Luz, “esse cenário de entraves políticos impede diretamente o avanço do desenvolvimento sustentável no Brasil, pois drena recursos que deveriam ser destinados a áreas vitais como saúde, educação, meio ambiente e combate às desigualdades”.
Destaques do Relatório Luz 2025: avanços tímidos e retrocessos
A seguir, um resumo dos principais temas abordados no 9º Relatório Luz, com dados que ilustram a encruzilhada em que o Brasil se encontra:
- Combate à fome e redução da pobreza: Graças à recomposição de programas como o Bolsa Família, o Brasil viu a população abaixo da linha da pobreza diminuir de 59 milhões para 53,5 milhões de pessoas em 2024. A parcela da população em extrema pobreza também caiu para 6,8%, o menor patamar desde 2012. Apesar desses avanços cruciais, que tiraram o país do Mapa da Fome, o progresso no ODS 2 (Fome Zero) é classificado como insuficiente, ameaçado pela inflação de alimentos e por restrições orçamentárias.
- Violência policial e racismo sistêmico: Em 2024, as forças policiais brasileiras mataram quase três vezes mais que as de outros 15 países do G20 juntos, sendo que 82,7% das vítimas são pessoas negras. Esse dado alarmante, somado ao aumento de 30% na mortalidade indígena por omissão do poder público, evidencia a persistência do racismo estrutural e da violência de Estado, que deixam a maioria da população para trás.
- Crescimento da população em situação de rua: A meta de garantir acesso à moradia segura (ODS 11) sofreu um duro golpe. A população em situação de rua cresceu 25% entre 2023 e 2024, atingindo 327.925 pessoas — um número 14 vezes maior que em 2013. Deste contingente, 81% vivem com até R$ 109 por mês, abaixo da linha de extrema pobreza, o que reflete a ausência de políticas públicas eficazes de moradia, trabalho e educação.
- Educação em crise: O Plano Nacional de Educação (PNE), que encerrou seu ciclo de dez anos em 2024, é um retrato do descaso com o setor. Apenas duas das suas 20 metas foram cumpridas. Após anos de retrocessos, o cenário educacional segue preocupante, com desafios na alfabetização, evasão no ensino médio e falta de infraestrutura adequada, ameaçando o futuro de gerações.
- Recorde de agrotóxicos: Na contramão da sustentabilidade, o Brasil registrou um novo recorde no número de agrotóxicos aprovados em 2024. Foram 663 novos registros, contra 555 no ano anterior. Essa política ameaça diretamente a meta de garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos (ODS 2), a saúde da população (ODS 3) e a biodiversidade (ODS 15).
- Pantanal em alerta máximo: A crise climática deixou marcas profundas no Pantanal, o bioma mais afetado em 2024. Sua superfície de água ficou 61% abaixo da média histórica, a maior perda proporcional entre todos os biomas brasileiros. Essa degradação, que reverte uma tendência de recuperação, compromete ecossistemas estratégicos e representa um retrocesso grave para a meta de proteção da vida na água (ODS 6) e na terra (ODS 15).
- “PL da Devastação”: A aprovação do Projeto de Lei (PL) 2159/2021, o “PL da Devastação”, mesmo com vetos parciais, representa uma ameaça significativa ao desenvolvimento sustentável e à proteção ambiental no Brasil. A legislação cria um novo patamar de ameaças à proteção dos ecossistemas, ao lado de outras ameaças como empreendimentos predatórios e crise climática, por flexibilizar o licenciamento ambiental, enfraquecendo os mecanismos de controle.
- Saneamento básico, um direito distante: O acesso a esgotamento sanitário e água potável continua sendo um privilégio no Brasil. Em 2024, 17,8 milhões de pessoas ainda não recebiam água todos os dias. Apenas 59,7% da população possui acesso à rede coletora de esgoto e a desigualdade regional é gritante. Enquanto no Sudeste o índice é de 73,9%, no Norte ele despenca para 15,3%.
- Desigualdade de gênero persistente: O Brasil continua a falhar em garantir a igualdade de gênero (ODS 5). O país ocupa a 132ª posição global na representação de mulheres na política, com apenas 18,1% de assentos na Câmara e 19,6% no Senado. Economicamente, o abismo é ainda maior: em 2024, o rendimento médio das mulheres negras foi 47,5% menor que o dos homens não negros, evidenciando como o machismo e o racismo se entrelaçam para perpetuar a exclusão.
Notícias que podem te interessar
-
Apesar de necessários, vetos ao PL da Devastação e novos anúncios do Executivo mantêm cenário de incertezas, avalia ActionAid
-
Brasil deixa Mapa da Fome: ActionAid defende políticas para que compromisso seja permanente
-
Pré-COP das Quebradeiras de Coco e Povos Tradicionais chega à Câmara com denúncia de desmatamento financiado pelo agronegócio global
-
Milhares de ativistas vão as ruas pelo cancelamento urgente da dívida antes de cúpula global em manifestação organizada pela ActionAid