Para ActionAid, mulheres rurais e urbanas vão impulsionar luta contra a fome no Brasil
“A fome tem cara preta de mulher e remete à escravidão”. A fala contundente de Viviane Santiago, do movimento negro, foi resgatada pelo analista de Políticas da ActionAid, Francisco Menezes, no Encontro Nacional Contra a Fome realizado este mês na sede da Ação da Cidadania, na Gamboa, no Rio de Janeiro. Ele destacou que é exatamente essa a imagem demonstrada pelos números do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).
De acordo com a pesquisa, 65% dos lares comandados por pessoas pretas e pardas convivem com restrição de alimentos e 6 de cada 10 lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar.
Por que chegamos a números tão alarmantes com a fome no Brasil? E por que essas estatísticas estão mais expressas na vida das mulheres? Essas perguntas foram mote da mesa “Do urbano ao rural: por que a fome atinge mais as mulheres?”, organizada pela ActionAid e parte da programação do Encontro Nacional Contra a Fome. A conversa foi mediada pela jornalista e podcaster Isabela Reis, e contou com a participação, além de Francisco Menezes, de Selma Glória, do MOC-BA, e Luna Arouca, da Redes da Maré-RJ, organizações parceiras que desenvolvem projetos junto à ActionAid no Brasil.
“No início da pandemia inscrevemos pessoas para recebimento de cestas básicas por um grupo do WhatsApp. Recebemos mais de 70 mil mensagens. Fazíamos plantões de atendimento, e chegamos a 19 mil famílias cadastradas. A maioria dessas famílias era chefiada por mulheres autodeclaradas pardas ou negras, entre 30 e 39 anos”.
O relato de Luna Arouca ilustra bem a situação no Complexo da Maré que, por sua vez, representa o que acontece no restante do Brasil. Já Selma Glória, do MOC-BA, explicou que o desmonte de políticas públicas no âmbito da alimentação gerou uma crise, principalmente, para a pequena agricultura. Produtores e produtoras tiveram mais dificuldade para vender o que produziam e ficaram sem renda.
“Esse cenário de cortes nos propõe uma mudança na nossa atuação – que deve sim ser emergencial, mas deve trazer um viés político. Não é só uma questão de distribuir cestas. As pessoas precisam entender que estão com seus direitos negados. Precisamos oferecer, inclusive, suporte psicossocial, para que as pessoas pudessem fazer essa travessia com o mínimo de amparo”.

Luna Arouca (Redes da Maré-RJ), Francisco Menezes (ActionAid), Isabela Reis (jornalista e podcaster) e Selma Glória (MOC-BA), durante o Encontro Nacional Contra a Fome / Foto: Zô Guimarães
Um caminho para a solução
Um dos importantes pontos levantados no debate foi que as mulheres negras não podem ser colocadas apenas no lugar de vítimas do desmonte de políticas públicas, mas que a solução precisa também passar por elas. Para Luna, a importância do coletivo é justamente o poder de manter vivo o otimismo para o futuro e “seguir sonhando”, apesar do cenário atual.
Cenário esse que, inclusive, demanda novas perspectivas. E, mais do que nunca, exige a participação da sociedade civil assim como aconteceu durante a pandemia de Covid-19, como pontuado por Francisco.
“Temos possibilidades de pensar o futuro trazendo muito do que aprendemos nesse processo. Para superarmos a fome de novo, não vai bastar repetir o passado. O contexto agora é diferente e novos atores surgiram. Vejo, por exemplo, enorme potencial da luta das mulheres do meio urbano e do meio rural se conectarem para impulsionarem a luta contra a fome no país”.
Selma lembra, porém, que “a Covid aprofundou, mas não foi a causa da fome”. O declínio do poder de compra da população e o desmonte das políticas públicas já vinha acontecendo antes e são elementos importantes da fome atual no Brasil, como apontado na nota da ActionAid sobre o assunto.
A ActionAid fez parte da curadoria geral do evento e, além do painel “Do urbano ao rural: por que a fome atinge mais as mulheres?”, também apoiou as mesas de abertura e encerramento, esta em parceria com a Oxfam Brasil. Todos os painéis estão disponíveis no YouTube.
Saiba mais e veja como você pode ajudar a ActionAid no combate à fome.
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