Mulheres em Gaza: colapso do sistema judicial agrava ainda mais a já preocupante escalada da violência
Enquanto o mundo celebra o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, mulheres e meninas em Gaza enfrentam violência em múltiplas frentes. Ataques quase diários do exército israelense estão matando mulheres e meninas a uma taxa sem precedentes: de acordo com a ONU, mulheres e crianças representam quase 70% do total de mortos e 75% dos feridos.
Ao mesmo tempo, a equipe da organização parceira da ActionAid Palestina, Wefaq Society for Women and Child Care (WEFAQ), relata um aumento nos casos de violência baseada em gênero, como abuso doméstico, à medida que as famílias enfrentam tensões devido à perda de empregos, economias ou pelo estresse de deslocamentos repetidos. Casos de assédio verbal e sexual também estão em alta nos locais superlotados e inseguros onde muitas mulheres deslocadas se encontram devido à guerra.
Asmaa, membro da WEFAQ, destaca as formas específicas como mulheres são vitimizadas em situações de conflito.
“As mulheres [têm sido] profundamente afetadas pela guerra, sendo submetidas a diferentes formas de violência. A violência contra mulheres e meninas [tem] aumentado à medida que a guerra [se intensifica], seja violência doméstica ou violência proveniente das forças israelenses. Observamos um aumento nos [problemas de saúde mental] e na violência doméstica. A falta de privacidade nos abrigos pode levar ao assédio verbal e sexual, [até mesmo] por parte de prestadores de serviços. Esses incidentes estão aumentando. Isso tem sido registrado em todo o nosso trabalho durante visitas a abrigos e campos de deslocados para mulheres.
Ela própria e sua equipe são também refugiadas, que enfrentam os mesmos traumas e problemas contínuos. “Apesar de tudo, continuamos firmes para ajudar outras mulheres que vivem nas mesmas condições que nós.”
Um relatório lançado recentemente pelas Nações Unidas, forneceu uma visão geral das tendências de denúncias de violência de gênero em Gaza durante o mês de setembro, revelou que o tipo mais frequentemente relatado de violência foi a negação de serviços, recursos e oportunidades; seguido por agressões físicas e abuso emocional e psicológico.
Em paralelo ao aumento da violência, mulheres e meninas estão perdendo o acesso a suporte essencial. Deslocamentos forçados repetidos e desafios de comunicação deixaram muitas mulheres sem informações consistentes sobre os serviços disponíveis, e muitos espaços seguros para mulheres tiveram que ser fechados. Além disso, o colapso do sistema judicial devido à guerra negou-lhes oportunidades de buscar justiça ou garantir seus direitos legais.
Sahar é a líder da Associação de Estudos Femininos para o Desenvolvimento Palestino (PDWSA), parceira da ActionAid em Gaza, que oferece apoio prático e psicológico a sobreviventes de violência. Ela expressa sua profunda frustração por não conseguir ajudar uma mulher a responsabilizar seu agressor.
“Uma mulher viúva que perdeu o marido na guerra e hoje vive em um campo de refugiados, veio até mim. Uma pessoa que deveria ser uma fonte de segurança e apoio para ela invadia sua tenda depois da 1h da manhã e tentava assediá-la. A mulher estava com medo, confusa e se sentia presa, não apenas por causa do abuso que sofria, mas também pelo medo de estigmatização e vingança, caso tentasse denunciar o agressor.
“O maior desafio para nós foi encontrar uma maneira de protegê-la sem expô-la a um perigo ainda maior. Trabalhamos intensamente e rapidamente para garantir a segurança da mulher. O primeiro passo foi oferecer uma sessão de escuta segura e confidencial, onde ela pudesse expressar sua experiência com conforto e sem medo. Depois disso a mulher foi transferida para um local seguro.”
“O agressor deveria ter sido punido por suas ações. No entanto, devido à ausência de leis e à interrupção das instituições por causa da guerra em Gaza, não tínhamos nenhum mecanismo legal para garantir que a justiça fosse feita. A ausência de punição legal e a consciência de que o agressor permaneceria impune foram extremamente frustrantes, especialmente porque isso pode encorajar outros a cometer os mesmos crimes. Carrego a dor pela injustiça que as mulheres enfrentam nessas circunstâncias, sendo forçadas a viver com feridas psicológicas enquanto os agressores escapam da punição.”
Apesar dos imensos desafios de apoiar sobreviventes durante a guerra em andamento, garantindo sua segurança e dignidade, Sahar afirmou que o trabalho de mulheres como ela está fazendo a diferença. Até agora, em 2024, mais de 2 mil mulheres foram beneficiadas pelo trabalho da PDWSA, como participação em sessões de conscientização sobre como combater a violência contra as mulheres ou recebendo suporte psicológico individual ou em grupo.
“Todo dia neste trabalho [há] uma oportunidade de fazer a diferença, por menor que seja, na vida dessas mulheres e reconstruir pontes de esperança e confiança que a violência destruiu. Eu entendo a extensão da dor e das lutas que essas mulheres enfrentam, então quero ser não apenas um ouvido atento, mas também uma mão amiga que as ajude a recuperar sua autoconfiança.”
Riham Jafari, Coordenadora de Advocacy e Comunicação da ActionAid Palestina, destaca a atuação das organizações parceiras, mesmo diante desse cenário.
“É um fato trágico que, em tempos de crise, as ocorrências de violência de gênero sempre aumentam, e a situação em Gaza não é diferente. Nossas organizações parceiras estão trabalhando contra todas as adversidades para apoiar sobreviventes e mulheres e meninas em risco, apesar dos recursos extremamente limitados. Contudo, proporcionar segurança, garantir justiça e superar a violência é simplesmente impossível em uma zona de guerra. Mulheres, meninas e todos os que estão presos em Gaza precisam desesperadamente do fim desta crise e de um cessar-fogo permanente, já.”
Conheça mais sobre a atuação da ActionAid em Gaza
Notícias que podem te interessar
-
Relatório produzido pela ActionAid ilustra a resiliência e importância de organizações lideradas por mulheres na Palestina
-
Conheça a história de Thuézia: de criança apadrinhada a jovem ativista pela educação
-
Justiça econômica: o que isso tem a ver com o desempenho do Brasil nas próximas Olimpíadas?
-
Iniciativa da ActionAid apoia crescimento de agricultoras no Camboja