Mecanismo de transição justa é principal legado da COP30 e inclusão de “afrodescendentes” é avanço histórico
Apesar dos obstáculos do financiamento climático, a COP30 chegou ao fim na noite de 22 de novembro, em Belém, entregando avanços históricos para ação climática e proteção de direitos.
O principal legado da cúpula é a entrega de um mecanismo de transição justa, essencial para apoiar os países no desenvolvimento e implementação de planos de transição em setores como energia, agricultura e minerais, não apenas para reduzir emissões, mas também para proteger os direitos das comunidades e dos trabalhadores, como explica Teresa Anderson, líder global de justiça climática da ActionAid Internacional:
É uma enorme vitória para os trabalhadores, as mulheres e os grupos da sociedade civil que vieram pedir um marco que garantisse que a ação climática também proteja empregos e melhore vidas. Em meio à crescente insegurança econômica e ao ceticismo climático, este é exatamente o sinal necessário para colocar o planeta de volta nos trilhos no enfrentamento dessa crise global. O mecanismo pode oferecer apoio real aos países para que lidem melhor com questões complexas, como a transição para longe dos combustíveis fósseis,
Outro avanço simbólico e histórico é a inclusão da referência ao termo “afrodescendentes” nos textos finais da COP30. A inclusão do termo ganhou força após a proposta brasileira na Cúpula dos Líderes, apoiada pela Colômbia, que já havia impulsionado avanço semelhante na COP16 da Biodiversidade.
Reconhecimento é vitória de movimentos sociais
Para a ActionAid, esse reconhecimento resulta da mobilização de movimentos sociais e lideranças que há décadas denunciam os impactos desproporcionais da crise climática sobre povos afrodescendentes e reivindicam que seus saberes e direitos orientem as políticas globais.
A inclusão do termo ‘afrodescendentes’ nos textos da COP30 era um dever, uma obrigação dos países do Norte Global. Os afrodescendentes foram drasticamente e irreparavelmente impactados pelo processo de colonização no qual está ancorada toda a riqueza do Norte Global
- avalia Ana Paula Brandão, diretora Programática da ActionAid Brasil.
A ActionAid, no entanto, destaca que esse reconhecimento ocorre em um contexto de negociações marcado por frustração e pela falta de decisões robustas em áreas essenciais para povos e comunidades historicamente vulnerabilizados na agenda climática, como financiamento público e adaptação, como explica Maryellen Crisóstomo, especialista em Justiça Econômica da ActionAid Brasil e mulher quilombola do território Baião (TO):
Quando falamos de metas de adaptação e desafios climáticos, nós, povos e comunidades afrodescendentes, estamos sempre na linha de maiores danos e impactos, pelas condições históricas dos nossos territórios. Ver essa inclusão avançar na COP30 é o reconhecimento de uma luta longa. Porém, só terá o sentido necessário quando resultar em políticas concretas, financiamento e participação real.
Inclusão não pode ficar só no papel
Júnior Aleixo, coordenador de Políticas e Programas da ActionAid Brasil, explica que sem uma saída clara dos combustíveis fósseis, sem a proteção efetiva dos ecossistemas e sem políticas que assegurem direitos, essa inclusão corre o risco de ficar apenas no papel.
Temos o reconhecimento e isso precisa ser celebrado. Agora nos cabe seguir cobrando por medidas que reduzam desigualdades históricas. Caso contrário, as mesmas populações que sempre estiveram na linha de frente continuarão sendo as mais afetadas pelo racismo ambiental, com eventos extremos, insegurança alimentar e tantos outros impactos que já marcam o seu dia a dia.
Mesmo com a criação do novo mecanismo global de transição justa, considerado um legado importante da conferência, Teresa Anderson conta que avanços decisivos continuam travados pela ausência de recursos e de compromissos firmes dos países mais ricos:
A falta de financiamento climático está emperrando o progresso. Os países do Sul Global, que já arcam com os custos de uma crise climática que não causaram, precisam desesperadamente de apoio dos países ricos para assumir novos compromissos. Isso ficou especialmente evidente no debate sobre combustíveis fósseis, em que trechos específicos do texto acabaram mais uma vez sem financiamento e descartados.