ActionAid

Entender termos ligados à justiça climática pelo olhar de crianças e adolescentes — essa foi a premissa do glossário lançado no dia 14 de novembro, na Casa Futura, em Belém. O lançamento, que aconteceu durante a COP30, é resultado de um processo educativo e afetivo conduzido pela ActionAid e diversas organizações parceiras ao longo de três anos de vivências em escolas e comunidades. Uma roda de conversa marcou o momento com inspirações para novas práticas pedagógicas e políticas públicas mais inclusivas.

Com mediação de Junior Aleixo, Coordenador de Políticas e Programas da ActionAid, a roda contou com a presença de Mariana Rico do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FUNBEA), Andréia Coutinho Louback do Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), Cledisson dos Santos do Ministério da Igualdade Racial, Thalison Corrêa da Coalizão Brasileira pela Educação Climática (CBEC) e Carolina Silva, Especialista em Educação e Infâncias da ActionAid e líder do processo de produção do glossário.

Origem do glossário

“Pequenos Grandes Saberes: Um glossário climático pelo olhar de crianças e adolescentes” é uma publicação inédita, construída a partir de relatos e desenhos de 350 crianças e adolescentes, entre 7 e 17 anos, que vivem em territórios afetados por racismo ambiental. Falta de saneamento, calor extremo, alagamentos e outras expressões de injustiça socioambiental são alguns dos impactos mapeados em suas comunidades.

O material nasce de um processo de educação não-formal conduzido por três anos pela ActionAid e organizações parceiras, em sete territórios de seis estados brasileiros: Complexo da Maré (RJ), Heliópolis (SP), território indígena Xakriabá (MG), comunidades rurais de Pernambuco, territórios quilombolas da Bahia e comunidades de quebradeiras de coco babaçu do Tocantins.

Durante as oficinas, as crianças eram convidadas a representar, com palavras e desenhos, os impactos ambientais de seu cotidiano. A metodologia foi documentada no livro para que possa ser replicada em escolas, projetos sociais e políticas públicas. A realização pela ActionAid teve o apoio das seguintes organizações: Centro de Agricultura Alternativa, Centro das Mulheres do Cabo, Conselho Pastoral de Pescadores e Pescadoras, Giral, Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, Redes de Desenvolvimento da Maré e a União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS).

Para Ana Paula Brandão, diretora Programática da ActionAid, o grande diferencial é que o glossário é uma obra produzida por crianças para crianças. “A ideia foi a de uma troca sem hierarquia, ouvir as crianças sobre o que importa para elas, entendendo como as mudanças climáticas afetam o seu dia a dia.”

Carolina Silva explicou durante a roda que o projeto nasceu da percepção de que as crianças já identificavam injustiças em seus territórios, mas não tinham palavras para nomeá-las.

“A metodologia nasce a partir das angústias que as crianças passaram a trazer quando a gente começou a abordar o tema do racismo ambiental. No primeiro ano a gente falou sobre água, no segundo a gente falou sobre saneamento básico e no terceiro ano a gente falou sobre habitação. No acúmulo desses três anos a gente percebeu que as crianças tinham necessidade de dizer como entendiam esses termos e como eles afetam a sua vida.”

Educação que acolhe, não que paralisa

A publicação confronta um problema estrutural da educação climática: a abordagem excessivamente conteudista comumente utilizada no ensino formal. Durante a conversa, educadores e especialistas reforçaram a importância de evitar práticas que geram ecoansiedade — o sentimento de medo e impotência diante de um futuro climático incerto.

“Justiça climática é um tema árido e, quando tratado apenas com dados duros, paralisa. Precisamos conectar o tema ao dia a dia das crianças: o lixo na porta de casa, o calor extremo que atrapalha a concentração, o esgoto que impacta a saúde”, sintetizou Mariana Rico, vice-presidente da FUNBEA.

Thalison Corrêa, da Coalizão Brasileira pela Educação Climática, relacionou o lançamento da publicação com a conferência mundial que acontece em Belém até 21 de novembro. “A COP em Belém é estratégica. Sentir o calor, ver os alagamentos, entender o cotidiano amazônico, isso revela a injustiça climática. Mas precisamos levar esse material para além da COP e falar com os professores, para além das crianças”, sinalizou ele.

Já Andréia Coutinho Louback, do CJBC, destacou que a agenda climática costuma chegar às escolas e à população negra distintamente: “Educação é essa grande aventura e um exercício contínuo de intencionalidade. O glossário é mais uma iniciativa que chega, mas precisamos de políticas públicas com olhar atento. A linguagem precisa ser simples, oral, próxima da realidade”.

A crise de saúde mental entre jovens, marcada por ansiedade e depressão, também foi lembrada na roda. Nesse sentido, o glossário surge ainda como instrumento de cuidado: resgata o brincar, a imaginação, a possibilidade de sonhar.

Mais do que uma publicação: um convite à ação

Provocado por Junior Aleixo sobre como avançar na abordagem antirracista das mudanças climáticas, Cledisson dos Santos ressaltou que “racismo é sobre poder. E precisamos traduzir isso em políticas públicas que respondam ao que esses territórios vivem”. Para além das preocupações institucionais, ele também comentou sobre o devir-criança e como isso nos inspira a encontrar uma linguagem que parece perdida, principalmente pelos adultos.

Ao final, o grupo destacou que o glossário é somente o começo. O material convida educadores, gestores públicos, lideranças comunitárias e famílias a olhar para seus territórios e perguntar: “O que podemos construir a partir destas narrativas?” A intenção é que o material seja utilizado como instrumento pedagógico, incentivando a escuta ativa, a participação e a construção coletiva de conhecimento.