Depois do ciclone, a fome: entenda como a crise climática ameaça a vida de 45 milhões de pessoas na África
Quase um ano após a passagem do Ciclone Idai, é cada vez maior o sofrimento causado pela crise climática na África Austral, onde 45 milhões de pessoas vivem sob risco de fome. A ActionAid está atuando em Moçambique, Malawi, Zâmbia e Zimbábue, onde ao menos 9,5 milhões de pessoas já enfrentam severa escassez de alimentos após dois grandes ciclones, chuvas irregulares, inundações e a pior seca registrada em 35 anos.
Nessas regiões, os moradores estão sobrevivendo com apenas uma refeição por dia, e consumindo frutos silvestres que normalmente servem de alimento somente para os animais. Além disso, as famílias estão tirando seus filhos das escolas para apoiarem no trabalho, buscando alternativas para geração de renda. Mulheres estão deixando de comer para alimentarem suas crianças, e enfrentando o aumento da violência doméstica.
A ActionAid está atuando em comunidades nos países mais afetados, prestando assistência com distribuição de suprimentos para as famílias e com apoio às mulheres na criação de espaços seguros, em resposta ao aumento de incidentes de violência de gênero.
Além desse apoio imediato, a organização atua com olhar de longo prazo nessas regiões, apoiando no fortalecimento da resiliência das comunidades a desastres climáticos, treinando mulheres e jovens para assumirem papéis de liderança durante emergências e para responsabilizarem os tomadores de decisão. Também apoiamos os pequenos agricultores a adotarem técnicas agroecológicas de produção, resistentes ao clima, como forma de aumentar a resiliência das comunidades em momentos de necessidade.
Diretora de Ações Humanitárias da ActionAid, Sara Almer acompanha a situação na Zâmbia, onde as recentes chuvas e enchentes ameaçam a colheita de abril:
Milhões de pessoas estão enfrentando extrema desnutrição e, em áreas do Zimbábue e Zâmbia, a crise alimentar corre o risco de atingir o quadro de fome. É necessária ajuda humanitária urgente em toda a região.
Gaspar Sitefane, diretor da ActionAid em Moçambique, diz:
Chegamos ao ponto em que não se trata de secas ou inundações pontuais. É sobre pessoas que estão morrendo por causa dos efeitos das mudanças climáticas. O primeiro passo é, obviamente, apoiar as pessoas afetadas pela crise de insegurança alimentar e as pessoas que perderam suas casas, mas há uma necessidade de uma reflexão mais ampla sobre como podemos mudar a situação a longo prazo para melhorar a resiliência das comunidades que enfrentam esses desafios.
A situação em Moçambique
Seca, inundações, insegurança e os impactos de dois ciclones sem precedentes, Kenneth e Idai, deixaram 2,5 milhões de pessoas em necessidade urgente de apoio humanitário. Quando o aniversário de um ano da passagem de Idai se aproxima, em março, mais de 500 mil pessoas ainda vivem em casas danificadas.
Vinte e oito pessoas morreram em recentes inundações em Sofala e Zambézia, onde muitas famílias ainda vivem em abrigos improvisados. Mais de 10.200 casas foram destruídas. Buzi permanece isolada devido ao acesso limitado à estrada.
A ActionAid em Moçambique segue apoiando cerca de 10 mil pessoas em comunidades devastadas pelo ciclone Idai, por meio de atividades de proteção, educação, meios de subsistência, resiliência e prestação de contas.
A situação no Zimbábue
No Zimbábue, a turbulência econômica em curso, a seca prolongada, as inundações e um ciclone devastador culminaram em uma crise multifacetada. Quase 40% (3,6 milhões de pessoas) da população rural está passando por “crise” ou “emergência” de fome, níveis esses que estão logo abaixo do nível máximo na escala humanitária que mede a gravidade da insegurança alimentar.
As recentes inundações devastaram as plantações dos agricultores e, quase um ano após o Ciclone Idai – um dos piores desastres climáticos que atingiram o hemisfério sul na última década –, as comunidades de Chimanimani e Chipinge continuam sem abrigo permanente.
A ActionAid no Zimbábue está implementando um programa humanitário de assistência alimentar, financiado pelo World Food Programme (WPF), em Makoni, Nyazura, Chiendambuya, Saunyama, Nyamaropa e Nyanga. Isso fornecerá apoio alimentar emergencial a 92 mil pessoas até o fim de janeiro.
Nelia Bvuma, que mora no distrito de Makoni com seus dois filhos, contou à ActionAid em dezembro que não havia feito sequer uma refeição adequada nos últimos dois anos. Apesar de viver numa importante região agrícola, a última vez que Nelia conseguiu realizar alguma colheita foi em 2017, quando obteve apenas seis sacas de milho. Desde então, ela é forçada a procurar masekesa e makwakwa, frutos silvestres geralmente usados somente para alimentar os animais.
Comer frutos silvestres e tomar medicamentos antirretrovirais para o HIV com o estômago vazio afeta cada vez mais a saúde de Nelia:
A ingestão excessiva desses frutos prejudicou ainda mais minha condição e agora minha pele está descascando.
A situação na Zâmbia
Amar Nayak, consultor na Equipe Internacional de Resiliência e Ações Humanitárias da ActionAid (IHART), tem participado de encontros com pessoas afetadas em comunidades no oeste da Zâmbia:
A Zâmbia está enfrentando uma crise alimentar sem precedentes. Mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas e pelo menos 430 mil estão sofrendo grave insegurança alimentar. As famílias estão sobrevivendo ao reduzirem o número de refeições que comem por dia, e isso está levando a altos níveis de desnutrição.
No início do mês, a ActionAid na Zâmbia, em colaboração com seu parceiro local, a Keepers Zambia Foundation, distribuiu milho e feijão para as famílias no distrito de Nalolo. O apoio alimentar foi direcionado aos mais vulneráveis, incluindo pessoas com deficiência, idosos, mulheres solteiras e grávidas. Além da ajuda alimentar, a ActionAid na Zâmbia e seus parceiros criaram grupos locais de mulheres, que estão criando seus próprios espaços em que essas questões de proteção podem ser abordadas e debatidas.
Mwendabai Uyoya, 75 anos, tem dois filhos e seis netos. Devido ao aumento da fome em sua aldeia, eles comem apenas uma vez por dia, às vezes pulam essas refeições e chegam a passar dias sem alimentos. Caminham por até cinco horas para encontrar o que comer e têm dificuldades de acesso à água, pois o poço da aldeia secou. Eles não têm escolha, a não ser beber de poços rasos usados principalmente por animais. Assim, as crianças já começam a ser vítimas de doenças relacionadas ao consumo de água imprópria.
A situação no Malawi
Estimativas apontam que mais de 6,5 milhões de pessoas enfrentam fome crônica, e mais de 8 milhões precisam de assistência alimentar urgente, segundo o governo do Malawi. A seca deixou o país aquém de um milhão de toneladas de milho, levando os preços a subirem.
No início deste janeiro, comunidades de Phalombe foram atingidas por fortes ventos e chuvas que provocaram enchentes. A água do rio varreu campos e aldeias, destruindo casas e colheitas. Cerca de 4 mil famílias foram afetadas e tiveram que se abrigar em escolas e casas de parentes.
Emery Kachingwe, 61 anos, viu sua casa e suas plantações destruídas pelas enchentes na vila de Mwaramwe:
A fome de agora vai continuar para além dessa estação. Vou precisar de mais ajuda para sustentar a mim e aos meus netos.
As inundações também atingiram o distrito de Nsanje. A ActionAid no Malawi está respondendo às inundações e à crise alimentar distribuindo alimentos, apoiando mulheres e meninas na criação de espaços seguros e desenvolvendo resiliência por meio de projetos de agroecologia resistentes ao clima.
Como você pode ajudar
A ActionAid e nossos parceiros locais estão localizados em Moçambique, Malawi, Zâmbia e Zimbábue, distribuindo itens que salvam vidas, incluindo alimentos e pastilhas para purificação de água, além de itens para a saúde, como medicamentos e kits de higiene. Também apoiamos mulheres e meninas na criação de seus próprios espaços seguros, onde se sentem fisicamente e emocionalmente protegidas.
A longo prazo, a ActionAid está construindo a resiliência das comunidades a desastres climáticos, treinando mulheres e jovens para assumirem papéis de liderança durante emergências e responsabilizarem os tomadores de decisão. Também apoiamos os pequenos agricultores a adotarem técnicas agrícolas agroecológicas resistentes ao clima.
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