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Dados do IBGE apontam recuo da fome no Brasil, mas desigualdades estruturais continuam no cerne do problema
Dados do IBGE apontam recuo da fome no Brasil, mas desigualdades estruturais continuam no cerne do problema
Os resultados da PNAD Contínua: Segurança Alimentar (2023), divulgada nesta quinta-feira (25/04) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram recuo na insegurança alimentar no país após a trágica escalada que nos levou de volta ao Mapa da Fome. De acordo com o IBGE, “27,6% (21,6 milhões) dos domicílios particulares no Brasil estavam com algum grau de insegurança alimentar no último trimestre de 2023, sendo que 18,2% (14,3 milhões) enquadraram-se no nível leve, 5,3% (4,2 milhões) no moderado e 4,1% (3,2 milhões) no grave”.
Se comparados à POF 2017-2018, os dados mostram redução de 3 pontos percentuais (p.p.) de domicílios em insegurança alimentar moderada ou grave e de cerca de 6 pontos no número de domicílios em insegurança alimentar leve. O estudo Vigisan, elaborado pela Rede PENSSAN com apoio da ActionAid em 2022, mostrou que 33 milhões de pessoas não tinham o que comer no país (cerca de 8,2 milhões de domicílios).
“É a primeira vez, desde 2014, que o Brasil volta a constatar tendência de declínio em tais indicadores. A pesquisa mostra que a segurança alimentar voltou para a agenda do governo, com a retomada de políticas públicas essenciais em um curto período, mas o quadro ainda é grave. O resultado deve ser celebrado, mas isso não significa que a luta está ganha”
, comenta Francisco Menezes, consultor de Políticas na ActionAid e ex-presidente do Consea.
Apesar dos avanços, a pesquisa do IBGE mostra que o cenário das desigualdades regionais, de gênero e raça se mantém. As regiões Norte (60,3%, ou 3,6 milhões de domicílios) e Nordeste (61,2%, ou 12,7 milhões) tiveram as menores proporções de domicílios particulares em segurança alimentar. Nos domicílios em insegurança alimentar em todo o país, 59,4% tinham responsável mulher. Quanto à desigualdade racial, se somados os domicílios com responsáveis de cor ou raça preta e parda, a insegurança alimentar chega a 69,7%.
“É preciso acelerar e expandir medidas emergenciais, e intensificar as ações para superação de problemas estruturais como as desigualdades regionais, de raça e de gênero. Somente a continuidade e intensificação de medidas de reparação histórica conseguirão romper com as raízes estruturais da fome”.
O consultor da ActionAid também destaca a importância da relação entre segurança alimentar e mudanças climáticas:
“O agravamento dos desastres relacionados ao clima atinge, entre inúmeros outros problemas, a oferta, a qualidade e o preço dos alimentos, da comida de verdade. O país precisa avançar com determinação no enfrentamento das mudanças climáticas, sabendo que o que hoje afeta de forma mais acentuada aos mais pobres, prejudicará a todas as pessoas em curto espaço de tempo.”
O reconhecimento da necessidade de medidas emergenciais por parte do governo foi fundamental para estancar um processo de abandono da questão alimentar a partir de 2016 até 2022, que gradualmente aprofundou mazelas e colocou o país no Mapa da Fome em 2022. Sob um contexto de redução do desemprego, inclusive com crescimento do emprego formal, e o retorno do país a um processo de recuperação do valor real do salário-mínimo, três políticas públicas tiveram importante peso:
Entretanto, mesmo tendo o que celebrar com a recente divulgação do IBGE, há fatores que ameaçam a continuidade de avanços. A ActionAid, no trabalho que realiza com seus 18 parceiros em 12 estados do país, no campo e nas cidades, observa situações que precisam ser enfrentadas.
Inflação dos alimentos: Quando a pesquisa do IBGE foi realizada, a alta dos preços dos alimentos ainda não estava tão acirrada. Aliás, 2023 foi um ano melhor, em que para diversos produtos os preços caíram em relação a 2022. No entanto, a inflação dos alimentos voltou a preocupar no início de 2024. Assim, é preciso que se reconheça suas causas para atuar sobre elas. Um dos motivos é o fator sazonal, que sempre ocorre, levando a aumento do preço de hortifrutigranjeiros entre dezembro e março. Mas há, também, muito a se fazer em relação à política de abastecimento, com a formação de estoques reguladores e a execução de preços mínimos, regulando preços e estimulando a produção de produtos básicos e a comercialização em circuitos curtos. Em dezembro foi assinado o decreto que institui esta política, mas agora é urgente que seja acelerada sua implementação;
Crise climática: O Brasil começa a viver mais intensamente os efeitos das mudanças climáticas sobre a produção de alimentos, com consequências mais graves sobre a população pobre. Enquanto alguns estados sofrem com inundações, outros enfrentam as consequências de secas que antes não existiam. A ActionAid alerta para a necessidade de haver uma guinada mais radical nos cuidados com a natureza e o clima, mas não é isso que se vislumbra no momento. “Esse é um fator que já cobra um preço alto e que ficará ainda pior se não for revertido”, alerta Menezes.
Ameaça aos povos originários e tradicionais: Há que se atuar com rigor sobre o que vem acontecendo com povos indígenas e populações tradicionais, seja por conta da mineração, seja por causa do crescimento da fronteira agrícola, que os expulsam de suas terras e inviabilizam a capacidade de produção para autoconsumo. A tragédia Yanomami é o depoimento vivo sobre aquilo que não pode acontecer. Bons resultados gerais na segurança alimentar não podem conviver com alguns dos piores índices de desnutrição sobre crianças, como acontece naquele território.
Manutenção de desigualdades estruturais: Mesmo com as melhoras gerais, como já apontado anteriormente nesta nota, mulheres negras continuam sendo as principais vítimas da fome e da desnutrição. Este não é um debate simples, mas que precisa ser feito, exigindo a combinação de medidas que mexam em fatores estruturantes da sociedade. É urgente a intensificação e aprofundamento de políticas públicas voltadas para a inclusão e para a equidade.
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