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ActionAid lança Fundo Água e reforça seu trabalho com tecnologias sociais no semiárido
ActionAid lança Fundo Água e reforça seu trabalho com tecnologias sociais no semiárido
Você sabia que o maior volume de água doce do planeta está no Brasil? Mesmo assim, a falta de acesso à água e as situações de insegurança e risco hídrico atingem quase 100 milhões de pessoas por aqui. Quem mais sente esses impactos são as mulheres, as pessoas racializadas e os territórios periféricos e rurais. Diante da calamidade desse quadro, e do entendimento que existem caminhos sustentáveis para superá-lo, a ActionAid lança o Fundo Água, um novo projeto aberto à contribuição da sociedade, voltado à implementação de tecnologias sociais de saneamento, acesso, reúso e melhoria da qualidade da água.
Em sua primeira etapa, a iniciativa já alcançou cerca de 500 pessoas em sete estados do semiárido – região que, embora possua reservas subterrâneas de água, o regime instável de chuvas agravado pelas mudanças climáticas e pelo enfraquecimento de políticas públicas precariza a vida de milhões de brasileiros e brasileiras. As doações ao Fundo Água (de pessoas, empresas ou organizações) apoiam o desenvolvimento e a implementação tanto de tecnologias sociais já mundialmente reconhecidas, como as cisternas, quanto de iniciativas inovadoras desenvolvidas pelas próprias comunidades beneficiadas. Até o momento, foram ao menos 7 variedades de tecnologias sociais implementadas. O projeto engloba também a capacitação técnica dos moradores para manejo sustentável da água e dos equipamentos.
No Maranhão, o biofiltro foi a tecnologia escolhida para tratar a água barrenta. Hoje, o líquido tratado jorra pelas torneiras e serve até para lavar roupas claras. Em uma comunidade, mais de 80 pessoas foram beneficiadas com essa inovação, especialmente mulheres como a agricultora Luzia:
“Tem vezes que a água vem tão suja que nem para molhar as plantas serve. Agora, com o biofiltro, eu espero que a gente possa até descansar um pouco mais o corpo e a mente, inclusive em relação à saúde dos filhos. Porque água é vida. Se não tiver água, não tem nem vida humana, nem vida para os bichinhos que a gente cria, nem para nossa plantação, para nada”.
A agricultora Luana, uma das mulheres que participou das oficinas de capacitação e colocou a mão na massa para construir e limpar os biofiltros, explica:
“O projeto do Fundo Água nos ajudou a criar esse filtro. Para construí-lo, usamos os canos, os encaixes, a pedra seixo e a tela. A água vai sendo filtrada e melhorando cada vez mais. A falta do recurso hídrico sempre ocorre mais nas comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas”.
Junior Aleixo, especialista de Justiça Climática da ActionAid, explica que esse acesso desigual aos recursos hídricos citado por Luana é um exemplo do que é hoje chamado de racismo ambiental. Ou seja, os impactos sociais e ambientais da falta ou irregularidade das chuvas afeta mais gravemente grupos sociais historicamente mais vulnerabilizados. Para Aleixo, a descentralização das soluções é um aspecto importante para que o acesso à água seja, definitivamente, justo e igualitário, além de sustentável:
“Essas tecnologias são fortes aliadas para a superação da pobreza e da fome, mas também importantes instrumentos de enfrentamento ao racismo ambiental e às crises climáticas. São iniciativas acessíveis e sustentáveis caso tenham investimento público e privado adequados, e que podem ser aplicadas em escolas, hortas comunitárias, ou em qualquer espaço individual ou mesmo coletivo. São pensadas, criadas e manuseadas especialmente pelas mulheres de cada localidade, que sabem melhor do que ninguém quais soluções são mais eficazes para o lugar onde vivem”.
A agricultora Aline também participou das oficinas para construir o biofiltro. Ela detalha como a atividade beneficiou as mulheres da comunidade:
“Em casa, a água chegava pura lama. Só lavávamos a roupa em outra comunidade, principalmente se a roupa era clara. Agora lavamos em casa e temos mais tempo para estudar, ter mais informação e participar de reuniões. E não dependemos de marido para instalar o filtro. Temos a nossa autonomia”.
O Fundo Água é uma iniciativa da campanha de doações Água é Vida, lançada em 2022, após o Brasil enfrentar uma das piores crises hídricas dos últimos 90 anos. Naquele momento, a organização lançou também nota técnica em que destrinchou o caráter multifatorial da crise, e apontou um conjunto de soluções sociais, políticas e coletivas. Aleixo pontua algumas das razões que se colocam no caminho do acesso justo e igualitário à água.
“O desmatamento é um gatilho indiscutível nesse processo. Segundo o Map Biomas, de 1985 a 2019, o Brasil perdeu cerca de 87,2 milhões de hectares em áreas de vegetação nativa, o que equivale a 10,25% do território nacional. Isso afeta terrivelmente a maneira como o país recebe os regimes pluviais. E aí entram outros atores e fatores, que vão desde o modelo agroexportador vigente, que não só gasta muita água como também a contamina, até mesmo a falta de planejamento e a privatização dos recursos hídricos. O Novo Marco do Saneamento Básico, por exemplo, foi um desmonte dos sistemas públicos de águas, nos distanciando ainda mais da universalização do acesso”.
As mulheres da Aldeia Riachinho, na Terra Indígena Xakriabá, estão mudando esse padrão de escassez de recursos hídricos. Carregando sacos de areia nas costas, passando com a vassoura e a enxada na mão e acomodando telas de proteção, elas têm um trabalho fundamental pela frente: são co-responsáveis pela instalação de uma cisterna de calçadão, com capacidade de 52 mil litros.
Regina, uma das mulheres envolvidas no mutirão, conta como esse projeto pode mudar a vida de toda a comunidade.
“Vamos usar para molhar as plantas, para beber, para fazer a comida. Aqui às vezes falta água, às vezes a bomba queima e a peça demora a chegar da cidade. Já ficamos 15 dias sem água. Meu irmão já precisou atravessar o riacho com filho pequeno. Essa novidade ajuda bastante, temos um lugar onde podemos pegar água”.
Julia Barbosa, especialista em Parcerias Institucionais e Filantropia da ActionAid, explica que histórias como a de Maria Cleia reforçam a eficiência do investimento em tecnologias sociais, sobretudo pelo protagonismo de quem vive nos territórios. Ela reforça a importância da contribuição da sociedade para essas iniciativas, uma vez que se tornam importantes aliadas ou mesmo inspirações para as políticas de larga escala.
“Abrir o Fundo Água para contribuição de doadores, não só individuais, como empresas e demais organizações, é uma forma de envolver todas e todos nessa transformação mais que necessária: urgente.”
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