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#OlheParaAFome: ActionAid destaca 3 causas determinantes para acelerado aumento da fome em 2022
#OlheParaAFome: ActionAid destaca 3 causas determinantes para acelerado aumento da fome em 2022
São muitas e variadas as razões que levaram o Brasil, que em 2014 foi classificado como fora do Mapa da Fome, ao alarmante estado atual revelado nesta quarta-feira (8 de junho) pelo 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN), realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), que aponta para 33,1 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave – ou seja, que passam fome no país em 2022. No inquérito lançado em 2021, esse número era de 19,1 milhões. Mas, para a ActionAid, uma das organizações apoiadoras do estudo, são três as causas principais que explicam em grande medida as proporções gigantescas da fome no país e o quanto se acelerou esse quadro em tão curto espaço de tempo.
É o que explica o economista Francisco Menezes, analista de Políticas da ActionAid no Brasil:
A primeira causa se refere ao forte empobrecimento de parte considerável da população brasileira e, para aqueles de menor renda, a entrada na condição de extrema pobreza. O desemprego, a precarização do trabalho, a instabilidade das atividades informais, o endividamento de famílias pobres e a forte queda da renda estão por trás da incapacidade de acesso aos alimentos atestada pela pesquisa.
Mas, junto a estes determinantes, somou-se a inflação e, mais ainda, a inflação dos alimentos, valendo lembrar o peso da alimentação no orçamento das famílias de menor renda. Alguns dados da pesquisa evidenciam o impacto desses fatores:
Entre domicílios em que a pessoa de referência estava desempregada, 36,1% deles viviam situação de fome, o que também ocorria em 43% dos que tinham renda familiar mensal per capita de até ¼ do salário-mínimo, índice este que se elevou bastante quando comparado com aquele que foi apurado no inquérito lançado em 2021, o que comprova a perda de poder aquisitivo neste espaço de tempo.
Assinale-se ainda que 49,1% dos domicílios nesta condição tinham endividamento de seus moradores. Também são relevantes os dados acerca de compra de determinados alimentos, revelando os efeitos do rebaixamento da renda familiar e da inflação dos alimentos. Para aqueles que responderam que já fazia três meses que não compravam feijão, 49,3% estavam em insegurança alimentar grave, o mesmo ocorrendo para 45,8% dos que não compraram arroz, 70,4% para a carne, 63,6% para vegetais e 64% para frutas. Estes dados permitem prever as consequências para a saúde de todo esse contingente que vivencia a fome hoje.
A segunda causa diz respeito ao verdadeiro desmonte de políticas públicas que tinham uma efetividade no enfrentamento da pobreza e da insegurança alimentar. Este processo, que começa a ocorrer em 2016 e se intensifica a partir de 2019, destruiu todo um sistema de proteção social que vinha sendo estabelecido. E se deu através de cortes orçamentários drásticos ou pela extinção ou alterações profundas em programas vinculados a estas políticas.
Assim aconteceu em 2021 com o programa Bolsa Família, enfraquecido e depois substituído pelo Auxílio Brasil, e o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), esvaziado em seu orçamento e substituído pelo Alimenta Brasil. Também praticamente extinto foi o premiado Programa de Cisternas, diante dos cortes orçamentários que sofreu, enquanto o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) foi deixado à deriva durante a pandemia; e ao Bolsa Verde, que foi extinto. E desde 2019 deixou-se de contar com o controle social exercido pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), com sua extinção no primeiro dia do atual governo.
A partir dos dados do II VIGISAN sobre o acesso a programas sociais entre 2021/2022, a tabela abaixo demonstra que alguns destes programas não têm um efeito muito diferenciado quando são acessados ou não em domicílios em condição de insegurança alimentar grave com renda média mensal abaixo de ¼ do salário-mínimo. Este fato sugere haver problemas na forma como são atualmente operados ou a insuficiência de recursos a eles destinados.
A terceira causa está ligada a atual condição vivida pela agricultura familiar e camponesa, incluído povos e comunidades que produzem para seu próprio consumo.
Dois fatores contribuem mais fortemente para as dificuldades hoje enfrentadas por quem vive e trabalha no meio rural. Um é o desmonte de políticas específicas voltadas para a agricultura familiar e camponesa, como se deu com o PAA, citado no item anterior.
Vale lembrar que em 2012 este programa executou um orçamento de 586 milhões de reais e, em 2021, reduziu-se a 58,9 milhões. Não menores foram as perdas dos agricultores familiares com o PNAE, que por lei garante a eles o fornecimento de no mínimo 30% do valor repassado a estados e municípios pelo Governo Federal e que durante o período da pandemia, com as escolas fechadas, teve este fornecimento suspenso, salvo iniciativas específicas de alguns municípios.
Some-se a isto os efeitos gerados pelo desmatamento e queimadas que atingem diretamente a Amazônia e o Cerrado, mas que indiretamente acabam por também atingir o restante do país, pelas mudanças que provocam no clima. Observa-se nesse caso, as dificuldades crescentes que pequenos agricultores enfrentam para conseguirem produzir, mergulhando muitas vezes em uma condição de miséria e fome.
O inquérito da Rede PENSSAN apurou que a insegurança alimentar grave e a moderada correspondem a 35,5% dos domicílios e a 10,8 milhões de habitantes das áreas rurais do país. E que 15,8% dos agricultores familiares ou produtores rurais viviam em insegurança familiar moderada, enquanto 22,4% deles passavam fome. Somente 29,4% apresentavam a condição de segurança alimentar.
O que aqui foi descrito retrata com limitações o que o inquérito revela em sua versão completa. Ao destacar pontos que consideramos centrais, esta Nota Técnica visa contribuir não apenas com a análise sobre o que o II VIGISAN constatou, mas também provocar reflexões e proposições para que o país possa enfrentar e superar essa tragédia.
É fundamental ter em mente que as consequências de dimensões quase inestimáveis do atual quadro de insegurança alimentar afetam, inclusive e especialmente, o futuro do país. A insegurança alimentar em seus variados níveis prejudica o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças em curto, médio e longo prazos; assim como a evasão escolar aprofundada pela fome trará efeitos sociais e econômicos gravíssimos.
Que futuro terão as mulheres – principalmente as mulheres negras – que agora têm o presente abalado com a dor da fome, sendo as que majoritariamente precisam se submeter às mais informais e precárias formas de trabalho e abandonar estudo por conta da economia do cuidado que recai sobre elas?
É preciso pensar também que futuro terá a saúde de todos e todas diante do avanço das mudanças climáticas e da destruição de biomas como Amazônia e Cerrado aprofundadas por um modelo agroexportador destrutivo, que asfixia a agricultura familiar e tanto afeta nossa produção de comida de verdade e sem veneno, fazendo com que obesidade e desnutrição andem cada vez mais próximas.
Estamos em alerta máximo. Não há tempo a perder. A fome exige urgências e se o momento político coloca barreiras para este enfrentamento, que se amplie ainda mais o reconhecimento pela sociedade do tamanho do problema e a sua disposição para cobrar soluções ao mesmo tempo que exerce a sua solidariedade.
O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN) foi realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), com execução do Instituto Vox Populi, e com apoio e parceria de Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga, Oxfam Brasil e Sesc São Paulo.
As estatísticas foram coletadas entre novembro de 2021 e abril de 2022, a partir da realização de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e no Distrito Federal. A Segurança Alimentar e a Insegurança Alimentar foram medidas, mais uma vez, pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que também é utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa anterior, lançada em 2021, mostrava que a fome no Brasil tinha voltado para patamares equivalentes aos de 2004. Em 2022, o inquérito revela que 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer. O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.
Além do trabalho de longo prazo para fortalecimento da segurança alimentar e da agricultura familiar no país, a ActionAid vem atuando em ações de emergência no combate à fome em conjunto com organizações parceiras que trabalham para alcançar as comunidades mais vulneráveis. Nesses dois anos de pandemia da Covid 19, a ActionAid apoiou a distribuição cerca de 61 mil cestas de alimentos em 12 estados, alcançando mais de 60 mil famílias. Grande parte dessas cestas foram provenientes da agroecologia, com alimentos seguros e saudáveis comprados diretamente dos produtores.
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